quinta-feira, 11 de outubro de 2018

O bolsonarismo e a celebração do fascismo no Brasil

Por: Agassiz Almeida Filho (Portal 247)

A imagem pode conter: 1 pessoa, barba e close-upEm agosto de 1914, a quase totalidade da sociedade alemã celebrava a deflagração da Primeira Guerra Mundial como um triunfo nacionalista, uma oportunidade para enaltecer as tradições prussianas contra a influência da cultura latina, uma fonte para a “purificação, a liberação e uma imensa esperança” (Thomas Mann). A histeria generalizada tomou conta do país, criando uma unidade nacional apaixonada, artificial e incapaz, naquele momento, de compreender as implicações sociais da guerra e o brutal custo do conflito para a Alemanha. Quase duas décadas depois, em 1933, também em meio ao fervor nacionalista, Hitler chegaria ao poder através do voto direto e arrastaria o mundo até a Segunda Guerra Mundial. O nazismo triunfava em eleições baseadas na violência política e no desprezo sistemático ou preconceito contra várias minorias étnicas.
Dentre os fatores que levaram os alemães a essa “euforia da catástrofe”, destacam-se as paixões políticas. Trata-se de uma forma de sentir intensa sobre perspectivas e temas políticos que se projeta como mentalidade coletiva e atinge amplos grupos sociais. As paixões políticas não surgem do nada. Sempre há uma certa conexão entre aqueles que vão se apaixonar politicamente e o objeto da sua paixão. No âmbito pessoal, é necessário que as pessoas sintam alguma empatia entre si ou se identifiquem de alguma maneira para que possam se apaixonar. No plano político, essa conexão entre o cidadão e determinadas posições ideológicas tem como ponto de partida os valores das pessoas. As paixões políticas se instalam quando uma dada perspectiva política coincide com os comportamentos ou modos de pensar que os cidadãos consideram correto.
Existem várias manifestações distintas de fascismo. Em geral, ele é comumente associado à violência, ao autoritarismo e ao justicialismo, o que o aproxima de alguma maneira do cenário brasileiro atual. As paixões políticas são um forte componente da onda fascista que atinge o Brasil a partir da candidatura de Jair Bolsonaro. Há uma dimensão coletiva no bolsonarismo que apresenta forte conotação emocional e que tem no ressurgimento do autoritarismo individual, na idiotia de alguns eleitores e na negação da Política três dos seus elementos mais importantes.
Em primeiro lugar, o fascismo bolsonarista ganha projeção através do autoritarismo de muitos brasileiros. Há pessoas que se identificam com o discurso de ódio, com o preconceito, a tortura, o uso da violência, a homofobia, a misoginia e outras bandeiras grotescas defendidas pelo candidato do PSL. Essa identidade entre Bolsonaro e os eleitores autoritários se fortalece na medida em que as manifestações do fascismo passam a circular livremente entre eles e produzem aprovação dentro do seu grupo de adeptos. É como um espaço de liberdade no qual todos podem repetir e praticar muitos dos atos que a ética pública e o Direito não aceitam no Brasil. Nesse sentido, há certa coerência na decisão destes eleitores de apoiar Jair Bolsonaro. São pessoas autoritárias que votam no discurso fascista.
A idiotia é também um dos elementos que explicam a celebração do fascismo no Brasil. Na Grécia antiga, o ídion era o indivíduo considerado inferior aos demais por não haver conseguido ou ter perdido a condição de se envolver em assuntos políticos. Entre nós, a idiotia que caracteriza e impulsiona parte dos eleitores bolsonaristas é um pouco semelhante ao sentido da palavra ídion na Antiguidade, sem a conotação de inferioridade presente entre os gregos nem fazer referência à capacidade intelectual de cada um. São eleitores que não se identificam propriamente com o discurso de ódio, mas que, por quaisquer motivos, não têm interesses políticos bem definidos, são vítimas da desilusão e votam em Bolsonaro porque está na moda entre os amigos, porque ele faz afirmações chocantes ou por que o bolsonarismo é um contraponto raivoso ao PT. Para estes eleitores, o exercício crítico da cidadania é um ato de menor importância que não merece mais atenção do que um passeio no parque ou uma festa de aniversário.
A negação da Política é seguramente o fator preponderante e mais grave. Muitas vezes está mesclada com o autoritarismo e a idiotia de alguns eleitores. Trata-se de desqualificar a Política e os partidos políticos e negar a importância das instituições democráticas, adotando o discurso fascista como modo de protestar contra os defeitos do sistema político e situar a si mesmo como baluarte moral em relação a tudo o que ocorre de errado na institucionalidade do país. É claro que o elemento autoritário e a idiotia como incapacidade de se envolver nas questões da pólis também atuam aqui de forma determinante. Afinal, o bolsonarismo não possui qualquer novidade em relação ao sistema político tradicional, não tem um verdadeiro plano de governo e é confessadamente contrário às conquistas democráticas das últimas décadas. Na verdade, acreditar nele como forma de negar a Política esconde uma visão autoritária e uma ingenuidade que as fake news trataram de insuflar até converter a celebração do fascismo em uma experiência de renovação do espírito nacional para estes eleitores em particular. Nada mais ridículo e estúpido.
Esta absurda situação de culto ao fascismo é resultado de vários fatores diferentes. A crise partidária brasileira, a cultura política dos cidadãos, os desmandos do combate à corrupção nos últimos anos, o impeachment inconstitucional de Dilma Rousseff e o comportamento antidemocrático dos meios de comunicação, entre outros fatores, foram fundamentais para que parte da sociedade brasileira sucumbisse ao fascismo. A idiotia, o autoritarismo e a negação da Política já estavam presentes no cenário social. Foram catalisados por grupos políticos conservadores até produzir o Golpe de 2016 e habituar a sociedade brasileira com a quebra da democracia e a relativização do Direito. As operações anticorrupção e sua dimensão midiática criaram as condições necessárias para que esses fatores ou anomalias da democracia brasileira ganhassem ainda mais força, fossem assumidas como paixões políticas e substituíssem o Estado Democrático de Direito como alternativas para um convívio social excludente e degradante.
As instituições não podem subverter a ordem constitucional e pretender manter os caminhos da democracia. O Golpe de 2016 e as trapalhadas da Operação Lava Jato – aqui considerada como amplo movimento político e não apenas como atuação do Poder Judiciário – incrementaram no país o costume de contrariar as leis e atuar de forma voluntarista com total falta de pudor. As barbaridades que antes eram praticadas atrás das cortinas, como perseguições, distorções da verdade, o tráfico de influência, manipulações de testemunhas ou a construção de concepções jurídicas absurdas, foram apresentadas a um público que já desejava substituir o sistema político por uma opção autoritária sem contornos racionais previamente estabelecidos.
Agora que amplos setores da sociedade brasileira celebram o fascismo, alguns grupos que apoiaram o Golpe de 2016 e suas nefastas ramificações se dizem surpresos com tamanha inconsequência política e moral. Porém, não podem esquecer o papel protagonista que tiveram na construção desta nova face do Brasil, sobretudo porque devem fazer uma releitura sobre seu próprio posicionamento e ajudar o país a superar este grave momento da sua frágil vida democrática.


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