terça-feira, 25 de agosto de 2015

Guarabira: O que Eu faço aqui?

Foto: Belarmino, fonte: facebook, 2015.

Por: Belarmino Mariano Neto

O que Eu faço aqui?



Agora em agosto fez 15 anos que estou em Guarabira. No começo, cheguei aqui a convite de dois amigos da Biologia e História para fazermos uma bizurada no Teatro Geraldo Averga. no primeiro sábado, nosso carro quebrou na descida da ladeira de Mari/Guarabira. Ficamos jogando Sinuca e comendo um bom tira gosto de galinha com feijão verde, pois havíamos perdido a hora da chegada. Depois de horas tentando contato de um local auto e sem sinais de telefonia, só conseguidos dizer do ocorrido, na volta para casa.
Então remarcamos para o outro sábado. então, conseguimos chegar em Guarabira e fizemos a nossa para as turmas de 3º ano, na época do Colégio Santo Antônio Positivo. Os contatos foram muito bons e terminei sendo convidado para vir dar aulas aqui. Confesso que não era meu proposito naquele momento, pois estava com meus dias cheios, entre três escolas privadas de João Pessoa. Mas, os profs. Júlio e Nildo, diretores, me fizeram uma boa proposta, diria que inaceitável para quem gostava de aventuras.
Confesso que anos antes já havia feito de teatro de rua, ao lado de companheiros como Ademir Leal BatistaSilvania Rodrigues Nunes,Pedro Francisco da Silva, Orlandio e muitos outros agitadores culturais, do extinto grupo de teatro "Gota Serena". Lembro bem que na época havíamos nos hospedado na casa da companheira Fatinha, no bairro do Nordeste II.
Tempos bons, contados com caleidoscópios, pela primeira vez, contato com utopias de um teatro para os oprimidos, contatos imediatos com a ideia de discos voadores, serra da jurema, serra das antenas de rádio, contatos imediatos de 3º grau com a ideia de universo bilo-galáxia. Nessa época, confesso que fiquei apaixonado pela cidade, pela ideia de morar em lugares tranquilos como esse. lembro que o grupo de teatro era muito coeso e andávamos de braços dados, cantando pelas ruas vazias de finais de semana. 
As vezes encontrávamos pessoas bem vestidas, com as bíblias nas mãos, eram famílias e amigos indo para os cultos evangélicos, ou fazendo seus trabalhos de evangelizar, de salvar almas, pescadores de almas. Nosso movimento teatro também era engajado, tínhamos compromisso político com as transformações sociais, éramos utopicamente petistas, meio que ligados as pastorais (da criança, da juventude, operária, etc), numa época em que a Igreja da Libertação era muito forte nessas terras do Agreste e Brejo. Dom Marcelo estava vivinho em folhas. Eita como a memória é coisa muito boa mesmo. Me plantei em Guarabira nesse período, e nunca imaginei que anos depois viveria e trabalharia aqui. Que me casaria e teria duas filhas lindas nessa terra da luz e do sol forte.
Essa segunda entrada pelas terras de Guarabira me aproximou de uma escola extremamente animada com a ideia de vestibular, de aprovação, de cursinho e sonhos juvenis. Foi um resto de ano, muito animador, pois lançamos um desafio para os alunos de geografia. fazer um trabalho de campo em três dias para os sertões da Paraíba. Eles toparam e ampliamos o projeto com os professores de história, letras e biologia. Nessa fase novos amigos, foi aí que conheci melhor a professora Francy (História); Joseilton (História), entre outros. Lembro bem que dessa expedição e do trabalho coletivo das três turmas dos terceiros anos, subimos o pico do Jabre, conhecemos os grandes açudes do Sertão, o calor de Patos e o vale dos dinossauros (Sousa), na volta, conseguimos um saldo de 48 aprovados em diferentes vestibulares, uma das maiores marcas da escola em um único ano.
Lembro que nessa nova época, os velhos amigos estavam vivendo outros carnavais, estavam vivendo outras histórias e o teatro já estava em outros planos. Apenas Ademir Leal Batista, continuava fazendo algumas esquetes teatrais. Nesses tempos também conheci outros "malucos da cidade", tipo Raminho Talibã, Soraya AyresJoseilton GomesMichellinne Souza MaiaLeledo Uma Voz Cidadã,Bebeto ETássiaAlexandre MocaCleoma M Toscano HenriquesLevi LobãoBejamim CarlosAlighieri DamiãoJoel CavalcanteValnir MenesesAngelucio FabiãoAmarildo H. Lucena (adorava me alimentar em seu restaurante e/ou soparia). Também reencontrei velhos amigos da arte, como Artur Silva, Matuzalem, Márcio Balbino Cavalcante, entre outros.
No ano de 2001, ocorreu um concurso para professores da UEPB, com vagas para Campina Grande e Guarabira. Não tive dúvidas, mesmo sabendo que Campina representava maiores atrativos acadêmicos, optei pelo espaço das emoções, das percepções juvenis e o locus onde com certeza havia muito mais trabalho na área de Geografia, com suas questões agrárias, ambientais, culturais, políticas, entre outras. Aqui na fase de UEPB, novos e velhos amigos, Luciene ArrudaJoão Andrade, Amarildo H. Lucena, Tânia Maria Dos Santos CavalcanteLutelcia de PaivaMarcelo Luiz FrançaÉzio Rubis SoaresBerg GinúJoana Andrade, Ana Gloria MarinhoAletheia Stedile Belizário, Heitor ToscanoHenrique ToscanoHaroldo QueirogaJuarez NogueiraMonica GuedesJosé Otávio SilvaVanusa Valerio, Carlos Belarmino, Vanilda, Marilene, Paulo Lima, Edvaldo Carlos De LimaAmanda Arruda, Amabli, Claudio Luis Clarinha MeloNeide Tavares Elias Melo, entre tantos/as outros/as.
As pessoas, com as quais compartilho a vida, o trabalho e os sonhos nessa terra da luz. Aqui não estou querendo citar os nomes dos amigos estudantes, pois são centenas e até milhares, se considerarmos a escala em todos os lugares da grande Guarabira e região.
Também fiquei impressionado como existem Belarminos por essas terras, primeiramente por conhecer e me tornar amigo de um irmão, talvez primo, Carlos Belarmino, aquele que acredita em Ciências e em vida para além da terra, aquele que como Kant, defende o transcendental, como algo ao nosso alcance. aqui mesmo temos muitos exemplos de belarminos, de Guarabira a Cuitegi e de Cuitegi aos vales do Curimataú e Brejo. Aqui encontrei aqueles que gostam de estudar as famílias e vimos o quanto o BEL-ARMINO se relaciona como os bárbaros fabricantes de armas, aqueles guerreiros da Ásia Menor, entre a Europa e o Oriente, provavelmente vindos das tribos dos ARMÊNIOS, entrando na Europa cristã, pelas rotas da seda, das especiarias e dos perfumes do oriente. Hoje estamos nas Américas, chegamos ao Nordeste brasileiro. Não sei ao certo, mas aqui encontrei meu sobrenome pelos lugares, encontrei belarminos no Mutirão, no bairro novo, no centro de Guarabira, encontrei belarminos no cordeiro, no bairro do Nordeste e no Clóvis Bezerra, em Bananeiras, em Solânea e até em Araruna tem belarminos. Isso reforça uma identidade também familiar pela terra.
Sempre fico a lembrar que nasci no Vale do Pajeú, em pernambuco, no Angico Torto, fazenda de gado, com engenho de rapadura e agricultura no sistema morador, como bem estudou a Guarabirense Emília de Rodat, minha grande orientadora na UFPB, a qual chamo carinhosamente de minha "mãe intelectual". Nasci em Itapetim e sou filhos de dois paraibanos do Cariri (Gessi Costa e Mariano Belarmino), então apelo para a teoria de sistemas e digo que a serra da Borborema é a nossa grande mãe de terra, de rocha, pois dessas terras a gente tira o alimento de cada dia. Das mãos dos agricultores a gente come o feijão verde e a fava, a gente come o guandu e as deliciosas bananas, que aqui a gente ainda compra no cacho. Foi assim que cheguei em Guarabira, uma especie de volta as serras da Borborema, na outra ponta de onde Eu havia nascido.
Foi aqui em Guarabira que conheci minha nova companheira Erica Mariano, vinda de Rio Tinto e que já se tornou uma Guarabirense, pois gerou nesse chão nossas duas amadas filhas (Brenda e Luísa). Como lembro dos seus desejos por umbu, cajá e por comer aquele pirão ou aquela buchada de bode, que só dona Né da chã do bodeiro consegue fazer. Confesso que foi uma ex-aluna e entre a ideia de uma orientação e outra, nossos olhares se entrecruzaram para uma nova vida, pois ambos já vinhamos de outros casamentos do passado.
Passei a viver Guarabira, trabalhar nessas serras da Borborema, nesses pés de monte, como esclarece a minha grande amiga Luciene Arruda, esses vales acachoeirados como Ouricuri, Poço Escuro e Roncador. Essas depressões, ocupadas por pequenas e médias cidades, cheia de problemas, cheia de in/completitudes, mas também cheia de muita gente boa, gente simples, gente que gosta de bons pratos caseiros, como a famosa galinha de capoeira da Chã do Bodeiro, ou os sabores do campo de dona Maria Das Graças Silva, ou o restaurante escondidinho de Dona Leila e sua família. Quem não gosta de ir ao SAMPA, ou ao Mistura Fina, ao Restaurante do Bega, entre tantos outros. O Pé de porco e aquele almoço caseiro, a Padaria Guarabirense e as conversas políticas, a padaria cristal ou a Pão de mel e seus pães deliciosos. Quem nunca foi em seu Tofó comprar uma banda de bode ou de carneiro, com seu facão afiado e o jeito guarabirense de comerciante local?
Quando a gente se torna professor de um lugar como Guarabira, a gente passa a conviver com alunos dos mais recônditos lugares, pois a UEPB em Guarabira, atrai estudantes de no mínimo umas cinquenta cidades diferentes, além dos maravilhosos estudantes vindos dos sítios e/ou da zona rural, pois esses apresentam em suas experiências, casos de vida, que ninguém mais possuí. O jeito de falar e um pensamento ainda no que Kant chamaria de Razão pura. Isso é maravilho para pessoas que atinam para o "paradigma indiciário". Aqui pude conviver com ex-alunos que agora são companheiros de profissão, como André Silva, Leandro Paiva do Monte, Diego Irineu, Ana Carla, Ikdeda, Sharlene, Raquelzinha, Joseilton Moreira e tantos outros, que em nome desses citados, gostaria de saudar com muita felicidade, pois temos grandes exemplos que vão de Alagoa Grande (terra de Margarida e Jackson do Pandeiro), passando por Alagoinha e Mulungu (terra do nosso grande e jovem William Santos, in memorian), indo paras as terras de Sapé, Mari, Araçagi, Itapororoca, Mamanguape, Rio Tinto, Jacaraú, Lagoa de Dentro, Duas Estradas, Sertãozinho, Serra da Raiz, terra de Dr. Antônio Cavalcante, passando por Caiçara, logradouro, Pirpirituba, Belém, Dona Inés, Tacima, Araruna, Riachão, Bananeiras, Solânea, Borborema, Remígio e até Arara, Serraria e Cacimba de Dentro. Vejam que não falei das dezenas de cidades do vizinho Rio Grande do Norte, pois muitos são nossos alunos também. Estes estudantes são nosso grande referencial, nosso leme para que possamos pensar em uma ensino público, gratuito e de qualidade.
Aqui a gente conhece as pessoas pelo nome, aqui os rostos são simbiose, nas ruas, nas praças, nas lojas e no portão da escola. Se você vai na igreja, encontra conhecidos e amigos, se é convida ao culto, também encontrará conhecidos e amigos. Aqui você ver cenas incríveis. Confesso que o mais hilário nesses anos, foi chegar na Guaramóveis, em época de São João, uma senhora comprava um liquidificador, para terminar as pamonhas e outras comidas de milho. Ela estava com cabelo e palha de milho espalhadas pela roupa, mas isso não importa. O que me marcou foi a dona da loja, negociando com ela, pois o aparelho de liquidificar custava um valor bem acima do dinheiro que havia trazido e se não me engano, lhe faltava uns 15 reais para completar. Dona Nita disse, tire a nota, venda o liquidificador, depois a senhora vem e pago o resto, vá terminar suas pamonhas. Pensei, que Capitalismo é esse? Me imaginei no Shopping Manaíra, comprando algo nessas condições. Aí entendi o quanto é prazeroso viver em cidades pequenas, ter amigos e conhecidos, por onde a gente passa.

Seria injusto deixar de fora uma das feiras camponesas com misturas da globalização por todos os lugares, mas ainda como uma das maiores feiras livres do Nordeste, Guarabira, concentra todos os sábados, milhares de pessoas em um território marcado por mangaios, frutas verduras legumes e um amontoados de mercadorias e pessoas. Sempre uso esse lugar, essa paisagem em minhas aulas de geografia e já orientei vários trabalhos de conclusão de curso sobre esse universo geográfico da feira d Guarabira, a mesma feira que já atraiu para cá um dos mais eminente antropólogo do nosso país, Mauro William Almeida, da Unicamp, em sua pesquisa para Mestrado sobre o Cordel do Nordeste brasileiro. Isso sim, tive a felicidade de conhecer e fazer meu seminário de tese com ele e, quando soube que eu trabalhava em Guarabira, ficou encantado, pois trouxe para si, as memórias de pesquisador, pois viveu alguns dias em Guarabira e ficou fascinado como aqui existia um significativo parque gráfico e uma relevante produção de cordel. A pergunta que não nos deixa calar: Para onde foi essa rica cultura, pois restam ainda alguns vendedores de cordel, mas não na mesma proporção.
Acho que aqui, estamos mais perto da vida, e por que não dizer, perto da morte também, pois as lojas mortuárias estão na principal avenida da cidade, a gente passa na porta das lojas de caixão todos os dias. Da vida e da morte, pois vez por outra, quando um amigo morre, a gente segue o cortejo a pé. 

Aqui a vida acontece, mesmo que o tempo seja o mesmo em qualquer lugar do mundo, esse tempo-espaço, quando vivido, em suas particularidades do lugar, deve ser redimensionado ao ritmo de cada um. Vejo minhas crianças e elas identificam os lugares e as pessoas. Elas criam suas próprias identidades, suas próprias referencias do lugar. Nesses 15 anos, tenho a plena clareza de que aqui vivo uma vida muito mais sadia do que viveria em qualquer outro grande lugar. Isso é o que Eu faço aqui em Guarabira.

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