Ao sombreiro de duas árvores, um pé de nim e uma palmeira de dendê, quatro homens se encontravam sentados ao meio fio e calçamento da lateral da rua.
Eles estavam vestidos com roupas comuns de trabalhadores e dois estavam com fitas fosforescentes presas as roupas e ao lado de cada um deles, havia uma grande sacola de nylon.
Percebi que eram catadores de materias reciclados em um breve descanso, regado por um calmo bate papo sobre as coisas da vida.
Pela maneira em que sentavam, despojados ao chão, pareciam com quatro apóstolos de Cristo, trocando idéias sobre justiça social, desigualdade e explosão praticada pelos vendilhões do Templo.
Não sei o que conversavam, mas estavam calmos como em uma oração coletiva. A conversa poderia ser sobre um reino utópico, em que os pobres entrariam até pelo buraco da cabeça de uma agulha, enquanto os exploradores ricos não teriam passagem.
Um mundo em comunhão, onde não era permitida a acumulação privada de bens materiais e todos seriam iguais como no ideal dos velhos comunistas.
Talvez estivessem falando sobre os injustiçados e resignados, os sem teto, sem trabalho e sem alimentos, que perambulam pelo mundo e praticam o jejum todos os dias, em uma espécie de Ramadã eterno.
A imagem estar em minha memória desde ontem, era para ter parado a moto e pedido para fotografar a cena sagrada de homens que dialogam no espaço público.
Até pensei que ao retornar da missão de pegar minha filha na escola, iria encontrá-los, mas passando pelo local, só restavam as sombras das árvores e a imagem agora era puro pensamento.
Mas isso me fez refletir sobre os cristos de madeira, mármore ou gesso, cruz e castigo de uma paixão que teima em crucificar um homem justo e bom, por mais de 2 mil anos.
Uma simbologia fúnebre de torturadores romanos a pedido e mando de sacerdotes judeus que não aceitavam um subversivo como o filho de Deus.
Isso mesmo, um subversivo pois criticava o modelo social e religioso de sua época, não aceitava a pobreza e a doença dos seus irmãos, enquanto uma casta ou elite dominante vivia a fartura de muito pão, muito vinho, tâmaras, maçãs e carneiro na brasa.
O condenado a crucificação combatia o preconceito e discriminação contra prostitutas, leprosos e pobres. Questionou as leis dos patriarcas e o uso da fé como mercadoria ou comércio.
Nestes 2 mil anos, como nos afastamos dos seus propósitos, como nós aproximamos das botas de Judas e nos tornamos os fariseus de do hoje.
Digo isso, pois muitos dos que se vestem de cristãos e vão comer peixe e beber vinho produzido pelo trabalho escravo dos vinhedos do Sul, vivem praticando crimes de corrupção, exploração, preconceito e discriminação aos seus irmãos em Cristo que vivem na miséria absoluta.
Dito isso, aguardo a cultura popular da malhação do boneco de trapos que simboliza Judas, pois como afirma o pensador Joel Antônio Ferreira: "Quem, no império romano, ia para a cruz? Os subversivos, os sublevadores, os revolucionários, os marginais, os questionadores da 'pax romana', os péssimos da sociedade, os fracos diante de tudo. Ora, se Jesus foi para a cruz, ele tinha algumas dessas características. Ou todas, na ótica dos poderosos."
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