Por Belarmino Mariano.
Eu sempre admirei muito as ideias e teorias do historiador israelense Yuval Harari, bem como suas posições políticas em condenar os históricos conflitos entre Judeus e Palestinos. Mas nunca imaginei que ouviria tantas opiniões contraditórias de um pesquisador que tem uma grande visão da história militar e humana no mundo, quando o assunto é o conflito na Ucrânia.
Hoje assistir uma entrevista sua ao Fantástico e achei que lhe faltou racionalidade lógica em várias respostas e uma clara opinião de agrado a linha editorial da Rede Globo que soube lhe perguntar utilizando o método indutivo para respostas aparentemente prontas, nas quais o jovem historiador poderia ter mais zelo e cuidado ao respondê-las.
Por outro lado, seus argumentos e omissões favoráveis ao alinhamento ocidental e de interesses norte-americanos e da OTAN embasam a realidade histórica, encobrindo as raízes de um conflito armado com operações militares que até três meses, seria completamente desnecessário para todo o mundo, caso tivesse ocorrido o real interesse diplomático em evitar conflitos, inclusive em plena pandemia de Covid-19.
Mas o historiador se ateve ao presente, como se este desse conta de responder por uma história tão antiga e tão complexa quanto os conflitos na Europa Oriental, berço dos 100 anos de guerras do século XIX, ao exemplo das guerras napoleónicas e, das duas guerras mundiais do século XX, além da sangrenta guerra da Iugoslávia, que fragmentou esse antigo país em oito, entre o final do século XX e início do século XXI.
Como historiador, independente das questões indutivas dos repórteres do Fantástico, teria que respeitar os dados e fatos históricos, mesmo que métodos contemporâneos de historiar lhe permita resumir ou limitar seu objeto a uma espécie de micro história, o que seria no mínimo um erro, pois Harari é um historiador de fatos e fenômenos mundiais, como a própria humanidade e o militarismo.
O Autor chegou ao absurdo em dizer que os ucranianos são independentes centenas de anos, quando na verdade, essa independência só se deu a partir de 1922, quando Lenin e o Partido Bolchevique assumiram o poder da Rússia, depois da Guerra Cível entre o exército vermelho e o exército branco, tendo a maioria dos ucranianos alinhados do exército vermelho. Independência essa, que foi imediatamente interligada a URSS, isso por um simples motivo, Bielorrússia, Rússia e Ucrânia, entre dezenas de países da Europa oriental são étnicamente uma coisa só (Eslavos) no contexto histórico regional. Independência de fato que também só ocorreu em 1992, com a desintegração do Leste europeu e o fim da URSS.
É importante registramos que, no XX Congresso do Partido Comunista Soviético, foram reformuladas as alianças entre estas repúblicas, dando origem a CEI (Comunidade dos Estados Independentes), da qual a Ucrânia é membro fundador, juntamente com a Federação Russa e mais 13 repúblicas, sendo 15 países membros, com exceção dos três países bálticos (Letônia, Lituânia e Estônia), únicos membros da Ex-URSS que de fato se desligaram política e economicamente do antigo bloco soviético.
O historiador Hahari, um especialista em história militar omitiu por exemplo que entre a 1ª GM, Revolução Bolchevique e Guerra Civil Russa, a Ucrânia foi esgarçada com tentativas de domínio territorial pela Alemanha, Áustria e até mesmo a Polônia que chegou a anexar a parte ocidental ucraniana.
Mas o discurso dos países europeus era de restituição do império de Nicolau II, quando na verdade, queriam pedaços territoriais da Rússia fragmentada, que os sovieticos conseguiram remendar.
Acho que um historiador não pode cometer erros históricos dessa natureza, pois mesmo que queiramos reconstruir a história sob outro ponto de vista, não podemos negar fatos, fontes e situações que indicaram um outro processo.
A Ucrânia, entre a 1ª GM e os conflitos internos da Revolução Bolchevique e da Guerra Civil Russa, estava no coração desse conflito, pois as disputas internas entre os conservadores czaristas que lutavam pela manutenção da Dinastia Romanov (300 anos no poder), tiveram que enfrentar os Anarquistas e Bolcheviques que foram fundamentais para manter a Ucrânia unida, independente da Dinastia Romanov, força política mantida pelas oligarquias locais que foram esmagadas, inclusive com apóio de capitalistas da Europa ocidental. Logo, essas forças conservadoras, inclusive com apoio de países europeus, foram derrotadas pelo Exército Vermelho e pela Revolução de Operários, Camponeses e Soldados rompidos com o antigo império czarista.
Daí para a frente, Wladimir Lenin, criou as condições para a independência da ucrânia e sua adesão a URSS. Independente a partir daí, autônoma como todas as repúblicas soviéticas, mas completamente federada, como são os Estados da América do Norte ou até mesmo o Brasil.
Mas, vale salientar que esse conceito de Federalismo, nasceu justamente dos Anarquistas franceses, espanhóis, ucranianos, russos e alemães, na Primeira Internacional Comunista, não na perspectiva do Federalismo de Estado, mais antiestatal e anticlerical. Anarquistas estes que foram massacrados pelas suas críticas a suposta ditadura do proletariado pregada pelos bolcheviques ou pelas forças capitalistas da Europa ocidental e Estados Unidos, como foi o caso das mulheres operárias, incendiadas em indústria textil americana em 1911.
De 1922 até 1941, quando os nazistas avançaram da Polônia para a Ucrânia, os mesmos conservadores de extrema direita, deram apoio aos nazistas na ocupação e chegaram ao absurdo de lutar contra seus irmãos russos em uma Guerra de Hitler.
Os norte-americanos, estavam na mesma posição que estão hoje, vendendo armas, fardamentos, transportes de guerra e ficando cada vez mais ricos com a guerra dentro da Europa em um envolvimento puramente comercial.
Mais os russos tiveram que aguentaram 900 dias de cercos contra os nazistas que massacravam tudo o que encontravam pela frente. De 1941 a 1943, todos diziam que os nazistas venceriam a guerra e que o Exército Vermelho estava liquidado.
Hitler chegou a cantar vitória, pois já estava com todos os atuais territórios ucranianos, da Bielorrússia e Stalingrado ocupada pelo exército nazista.
O que ninguém esperava aconteceu, as forças russas, ucranianas bielorussas e das outras repúblicas soviéticas, em diferentes trincheiras, conseguiram derrotar os nazistas e empurrá-los para dentro da Alemanha, reconquistando seus antigos territórios e ainda libertando búlgaros, húngaros, sérvios, poloneses, entre tantos outros povos, até que encurralaram os nazistas em Berlin, conseguindo a rendição e a derrota de Hitler, caminhando para o fim da 2ª GM.
Os Norte-americanos, vendo que os socialistas soviéticos haviam reconquistados seus territórios e libertados vários países que se tornaram aliados soviéticos, também entrou na Guerra, mas só em 1942, pois já estava claro que uma nova ordem se desenhava no cenário europeu com o avanço do socialismo para toda a Europa Oriental.
Uma inocência intencional Harari, foi afirma que esse conflito na Ucrânia é uma guerra única e exclusiva de Putin.
Parece até que se esqueceu do seu Estado artificial de Israel, desde 1948, com o apoio norte-americano, prática guerras violentas contra palestinos, líbios, cisjordânios, sírios e outros. Conflitos que Harari sempre condenou o que me agrada em suas opiniões.
Seria mais interessante reconhecer o avanço de forças conservadoras, de extrema-direita com apoio e aval da OTAN, articulando golpes como o de 2014. Mas não, parece que é melhor omitir ou não comentar, pois do contrário se revelaria o que o Materialismo Histórico e Dialético explica concretamente, mas como um teórico híbrido com um pé na pós-modernidade e na fenomenologia, talvez prefira descartar por completo a realidade, pelo menos midiática.
Esse é o perigo do hibridismo metodológico, mesmo que estudemos a geopolítica e a história militar mundial, ou até mesmo a origem e o desenvolvimento do homo sapiens e as suas guerras por fogo e por territórios, em uma disputa muito mais contra animais mais fortes. Quando na origem da nossa espécie descobrimos que as redes sociais eram nossa especialidade e habilidades para vencermos as guerras pela sobrevivência, dando espaço para a comunicação enquanto princípio básico.
Mas, negar a realidade história e a sua complexa dialética para manter uma narrativa falsa, uma artificialidade midiática, uma narrativa que em tese defende a paz, a democracia e solidariedade, quando continua, alimentando a guerra de fora para dentro, garantindo um discurso unificador do mundo não é real.
Vemos que de fato, essa ordem é completamente refém dos interesses norte-americanos, entre os quais, desestabilizar o euro, ampliar o controle dos seus oligopólios energéticos contra as nações ricas em petróleo, como é o caso da Rússia, Venezuela, Iraque, Afeganistão, Síria, Líbia e tantos outros que são ou estão sob o seu domínio, ao exemplo da Ditadura da Arábia Saudita, importante aliada americana no Oriente Médio.
Vejam que o discurso de democracia é completamente aterrado, quando os ditadores aliados e as literais ajudas e participações em golpes políticos como foram os últimos casos da Ucrânia em 2014 e do Brasil em 2015, garantem os interesses da potência que controla a OTAN
Achar que essa é uma guerra de um homem só (Vladimir Putin) é no mínimo embaçar toda a história das mais de 750 bases militares dos EUA em todo o mundo, em especial dentro da Europa, Extremo Oriente e Oriente Medio, inclusive com armas de destruição em massa, que nos últimos 30 anos foram empurradas para as fronteiras da Rússia.
Putin é de fato um conservador de direita, capitalista e que defende os interesses de oligarquias russas, grandes empresas capitalistas russas e seus aliados na Europa e até mesmo nos Estados Unidos, por tanto, essa é uma guerra de interesses capitalistas, nas achar que ele tem interesse nessa guerra é um absurdo que não poderia sair da boca de um estudioso com Harari.
Pois existem muitos covardes que aceitam as chantagens americanas, enquanto seus vizinhos e irmãos entram em guerra.
Uma guerra que alimenta o mercado de armas, que alimenta o mercado de reconstruções e que alimenta o grande mercado da insegurança e da incerteza, deixando o mundo aflito, em que se escolhe um boi de piranhas de um lado e um “besta indomável do outro”, com o super bem condenando essa barbárie, não faz sentido.
Parece até as velhas narrativas do imperialismo romano contra os bárbaros. O mesmo imperialismo que podia invadir, ocupar, pilhar e quem se voltasse contra os romanos, eram considerados bárbaros selvagens que queriam destruir a civilização ocidental.
Lembre-se que os bárbaros eram todos estes povos do oriente europeu, entre os quais os germanos ou prussianos e eslavos. Isso mesmos, essas tribos eslavas que hoje, formam países como Polônia, Eslovênia, Eslováquia, República Tcheca, Bielorrússia, Ucrânia, Bulgária, Rússia, Croácia, Servia, Montenegro, Macedônia e tantos outros antigos reinos e tribos de eslavos, que na atualidade sofrem a tensão dos milhares de anos de guerras.
Nesse momento, independente de quem dos envolvidos, toda a humana perde muito com essa ou qualquer guerra, pois essa história de guerras muda o atual foco dessa humanidade que, em tese, deveria salvar o planeta dessa ordem antiecológica chamada de capitalismo imperialista, consumista e destruidor do Planeta.
As agendas ambientais que estavam em pauta, que exigiam dos países radicais mudanças de atitudes, agora foram completamente abandonadas, pois oligopólios armamentistas e de petroleiras, em que as americanas são as maiores e mais fortes do mundo, querem ficar sozinhas e controlando tudo.
Logo, países como a Rússia ou China, atrapalham e muito, os planos destes que controlam o mercado mundial de petróleo, de armas e de tecnologias da informação.
Me parece que essa guerra pouco interessa aos russos, em especial aos capitalistas russos, ocupam aí a décima primeira posição na economia global, mas esses estão se vendo ameaçados pelos capitalistas americanos, que por sua vez, percebem que os capitalistas da zona do euro também atrapalham seus negócios.
Assim, a história não se repete, mas os locais de conflitos parecem que sejam os mesmos, a Europa Oriental, fronteira de disputas que desde o Império Romano, foram marcadas por guerras. Território em que grandes impérios como: o império Turco-Otomano, o império Austro-húngaro que sucumbiram nestas guerras intermináveis, se resumindo a fragmentados e pequenos países europeus e, o próprio império czarista russo (eslavo) que ainda guarda os maiores territórios dessa história antiga, como a Rússia e a Ucrânia, os dois maiores países da Europa que até 2013 eram importantes aliados da Comunidade dos Estados Independentes.
Mas que, a partir de 2014, com um golpe apoiado pelas oligarquias ucranianas, de extrema direita, conservadora e apoiada por grupos neonazistas e neofascistas, articulados por interesses do capital norte-americano e usando sua influência militar na Europa Ocidental, empurrou todos para esse conflito que poderá, pelo imprevisibilidade de uma guerra, levar a humanidade tão bem estudada por Noah Harari para um desfecho de hecatombe humana.
As guerras sempre tentam esconder a verdade ou a realidade histórica por estratégias ou como armas, mas os estudiosos da geopolítica ou da história, ao fazerem isso, colocam em risco as suas teorias, os seus métodos de análise e até mesmo os princípios pelos quais juraram defender a realidade dos fatos, enquanto compromisso com a profissão e com a ciência.
A história nunca será o que a minha vontade ou opinião expressam, mas o que de fato acontece nestas complexas e contraditórias relações humanas em que, forças como as do imperialismo capitalista e seus poderes militares, jurídicos, midiáticos e bélicos exercem sob a humanidade em diferentes escalas de espaços-tempos.
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