terça-feira, 5 de março de 2019

O Carnaval Nosso de Cada Dia

Imagem adaptada das redes sociais. A carne do sagrado é feita de luz.

Por Belarmino Mariano

Não tenho um espirito de carnavalesco, apesar de já ter me divertido muito nestes carnavais. Esse ano, optei por me retirar das ruas, fiquei ao largo observando tudo, refletindo sobre esse tão conturbado momento histórico, político, econômico, social e cultural em que vive o povo brasileiro.
Observei calmamente, tim tim por tim tim. Observei silenciosamente, as pessoas discutindo sobre escolas de samba, sobre o carnaval como um momento para se divertir, mas também para protestar.
Vi os lojistas preocupados com o baixo fluxo nas lojas, todos meio que esperando por um milagre. Alguns dizendo que o ano só começaria mesmo depois do carnaval. enquanto dirigia, ouvi no pendrive o Zé Ramalho cantando "Tô vendo tudo, Tô vendo tudo, mas fico calado faz de conta que sou mudo". Zé Ramalho faz uma crítica ácida ao Brasil de qualquer um.


Mas calado e pensando com meus botões, continuei a refletir sobre o carnaval que é o meu país. Nas profundezas da história antiga, estamos no mundo do faz de conta, onde tudo é possível, temos o carnaval como uma utopia da felicidade, em que esquecemos tudo, deixamos de lado nossas dívidas e nos anestesiamos em profunda alegria. Desvairados e em cólera, os corpos suados se desmancham nas ruas e avenidas. Viva o Carnaval.
Buscando a gênese do carnaval nos deparamos com um misto de cristianismo romano e festas pagãs de adoração ao Deus Saturno. Esse misto do dia 06 de janeiro (Dia de Reis) e a quaresma, representando uns 40 dias. Aí pensei, tantos preparativos, tantas coisas acontecendo nesses dias iniciais do ano, até a chegada do Carnaval, que antigamente acontecia exatamente na terça-feira que antecede a quarta-feira de cinzas. A magia de um dia em que saturno, atravessava os céus de Roma em sua carruagem de fogo. Isso mesmo, carro, nave, naval (carnaval).
Lembrei de Cronos (mitologia grego-romana) o Titã Supremo e Deus do Tempo, representado pelo próprio Saturno e que tinha como pais, Urano (Céu) e Gaia (Terra). Esse Mito Cronos, usou uma foice para castrar o próprio pai, se casou com sua própria irmã Reia e passou a devorar seus próprios filhos. Um Deus que se alimentava da carne da sua prole. O único filho que escapou, trocado por uma pedra foi Zeus.  Aí pensei sobre as mascaras, os bailes, a festa da carne e me veio a Era de peixes, lembrei da astronomia e da astrologia se misturando, lembrei do Ísis e Osíris e vi o quanto a ideia de monoteísmo é pequena e mesquinha para tanta humanidade de carne e osso que curte esse ritual carnavalesco.

Como geógrafo de profissão, lembrei do Solstício desaparecendo no céu zodiacal, e a terra se preparando para o equinócio, enquanto os Cristãs começam sua colheita pascal. Então comecei a ver o Deus Sol aparentemente mudando seu ângulo, enquanto a Terra (Gaia) faz a sua curva orbital. Mas para Cristãos ou pagãos o carnaval é o "Adeus a carne" e para tanto, teremos um momento para esquecer os sacrifícios, as dores, as dívidas e em sonhos embebedar-se para esquecer mesmo que momentaneamente. Pelo menos no Brasil, essa terça-feira do adeus a carne, se transforma em uns 30 dias, entre o antes e o depois do carnaval.
A qui no Brasil, Carnaval, significa uns 40 dias de festas, bailes, desfiles, trios, blocos, ensaios, fantasias e muita bebida. Aqui o carnaval vira ócio criativo, vira dinâmica econômica, vira turismo e tudo o que você possa imaginar, pois gostando ou não gostando e o carnaval é religiosamente a maior festa do Brasil e talvez a maior experiência cultural já inventada pelos humanos.
Também comecei a refletir sobre a ideia de que o ano só começa depois do carnaval, mas entre o 1* de janeiro e o dia 05 de março, já se foram 64 dias do ano. E olha que entre esses dias e o carnaval, muitas catástrofes, crimes ambientais e crimes políticos já foram cometidos em nosso país. Incêndios, lama, assassinatos de indígenas, jovens negros, mulheres, LGBTT's, além da famigerada reforma da previdência que se encontra no gatilho, pronta para matar velhos e destruir o sonho de milhões de jovens.
Aí chegou de fato a semana de carnaval e pude ver que esse ano, pelo menos as escolas de samba do Rio de Janeiro, demonstraram em seu Carnaval, a Carne Sagrada dos Deuses africanos, isso, a Carne do Sagrado escorreu pela Avenida. Os Negros, a força da negritude, a africanidade dos morros e favelas cariocas se vestiram com Yasan, Ogum, Xangô, Exú, Oxum, Oxalá. 

Nunca tinha visto as religiões de matriz Africana tão explicitas, dando uma mensagem tão forte de resistência e de fé. Em Salvador não foi diferente, pois entre os filhos de Gandhi, os Afoxés,  Ilê Aiyê, Timbalada e reggaer. Tantas outras manifestações da cultura como em Pernambuco com os Calungas e bonecos (homem da meia noite), os maracatus e o frevo. Indo na direção do Norte tivemos o carimbó, os bois, o reggaer e tantas outras manifestações que se espalharam por todo o Brasil.Foi um recado forte, tipo, chega de preconceito, chega de repressão, chega de farsas. Não aguentamos mais estes anos de escravidão religiosa cristã. Parece até que foi um grande recado para o Crivella, o Silas, o Macêdo e para o Clã Bolsonaro que, em nome de Cristo condenam os brincantes do carnaval e querem desconhecer os outros deuses que são cultuados em nosso país.
Alguns se esquecem que o carnaval é a carne a viva e sagrada de cada um, esquecem que o carnaval é a lama ladeira abaixo, que o carnaval é o talco e a purpurina misturados com a cerveja e a água mineral de cada um. Alguns esquecem que o carnaval é um momento de extravasar as energias reprimidas. Digo isso, ao mesmo tempo em que penso em blocos como as Raparigas do Chico, em uma referência  ao Chico Buarque e fico pensando em quem seriam as Raparigas do TRUMP prontas para invadir a Venezuela em busca do Petróleo?
Ai escuto a voz Rouca de Elza Soares, cantando que "a carne mais barata do mercado é a carne negra". Aí justifica pensarmos sobre carne e carnaval e que a carne não vale nada, em especial a carne negra, indígena e pobre, assassinada na Zona Norte, na Zona Sul, Na Zona Oeste, ou na Selva, enquanto os milicianos são condecorados por deputados milicianos corruptos até a chegado do poder central do Brasil.
Quando vi as várias Escolas de Samba homenageado Marielle Franco a Vereadora do PSOL brutalmente assassinada por milicianos que estão no poder, voltei a entender o significado do "adeus a carne", da "carne fraca", de que a "carne nada vale". Talvez essa carne negra não vai-lha nada para os açougueiros do preconceito e exploração.
Só a Rede Globo não viu a profunda Critica do Bode Barbudo contra a dominação politica das elites, contra os negros, índios e pobres. Só a Rede Globo não viu que enquanto a Tuití passava na avenida, a arquibancada gritava #LulaLivre. O bom desse ano foi que, sem exerção fizeram uma gigantesca crítica ao modelo de sociedade excludente, escravocrata e preconceituosa que impera há séculos no Brasil. Mas a metáfora do bode barbudo foi contundente e realista. O bode Barbudo esta preso, Marielle foi assassinada por milicianos e ninguém solta a mão de ninguém! foram algumas mensagens que a Globo evitou comentar em detalhes como o fizera com outros aspecto do desfile.
Para as comunidades negras e pobres desse país, o Carnaval é um momento para dizer o quanto a carne negra é sagrada, são as filhas e filhos de Ogum, de Xangô, de Yasan, de Oxum e de tantos outros deuses do Panteão sagrado da cultura negra africana. Estes são marginalizados, estes são assassinados facilmente e agora com a ideia de arminhas nas mãos, isso poderá virá uma caçada inflamada pelo ódio, uma caçada aos terreiros de candomblé e de Umbanda, assim como já começaram as caçadas aos povos indígenas em nossas florestas.

Nesse carnaval ainda observei evangélicos e até católicos se metendo nos temas das escolas de samba, como se tivessem algum papel de jurados, juízes ou fiscais do carnaval. Até o presidente da República tentou fiscalizar a festa.  
Gostei muito um artigo que li no Portal DCM, quando o Teólogo Tiago Santos disse que "O diabo venceu sim", se referindo a Comissão de Frente da Gaviões da Fiel (SP).  Anotei aqui alguns tópicos do Teólogo Batista Tiago Santo...
"Quando a igreja fez arminha com a mão, o diabo venceu. Quando os pastores e missionários, mesmo atuando nas comunidades mais pobres e obtendo o seu sustento do salário dos trabalhadores, apoiam a retirada de direitos destes para favorecerem os mais ricos, o diabo venceu. Quando a igreja ri de uma criança que morre, o diabo venceu. Quando a igreja comemora que uma líder social é assassinada a tiros numa emboscada, o diabo venceu. Quando a igreja zomba de um líder político que precisa deixar o país sob ameaça de morte, o diabo venceu. Quando a igreja vive uma expectativa que entremos em guerra com outro país para atender interesses geopolíticos de superpotências, o diabo venceu. Quando a igreja se torna o principal grupo social do país a espalhar mentiras na internet, o diabo venceu.Quando a maior preocupação da igreja, em um país extremamente desigual, é que meninos vistam azul e meninas rosa, o diabo venceu. Quando a igreja fica em angustiante silêncio frente ao racismo, a xenofobia, ao feminicídio, a homofobia, o diabo venceu. Quando a igreja considera armar toda a população como forma de buscarmos a paz, o diabo venceu. Quando a igreja considera justo que fazendeiros que já tanto têm esmaguem os povos indígenas para lhes tomar o pouco que resta, o diabo venceu".Teólogo arrochado!

Gostei muito da ideia de Negros, Índios e Pobres expressos pela Mangueira ao centro da bandeira brasileira,  estes sim me representam, estes sim são os elos culturais de um povo soberano que merece respeito. Mesmo sabendo que no Brasil, existe uma mídia tendenciosa, covarde e fascista que quer comandar o carnaval e com suas análises vazias tentam nos idiotizar. Mas vimos que o carnaval é de fato a festa do povo brasileiro.
Nunca imaginei que uma frase tipo: "Ei ... VTNC!" fosse fazer tanto sucesso e olha que superou todas as expectativas. A coitada da Jennifer ficou no escanteio. O recado foi dado, se não aguentar, pede pra sair, vaza. Por incrível que pareça, o Caetano e a Daniele Mercury com sua machinha clip foram até educados, diante das cenas presidenciais no twitter, resumir os festejos carnavalesco a uma dedada no próprio anus. Ainda bem que foi bloqueado por 30 dias.
O carnaval é muito maior que sexo, droga e folia. Não importa o lugar, se nas favelas de Salvador, Olinda ou nos Morros do Rio e de São Paulo, em todos os lugares desse país é carnaval e que essa festa protesto, prospere e se transforme  em uma onda gigante de alegria e luta contra as injustiças, contra a homofobia, contra o machismo, contra os milicianos no poder, pois não queremos nenhum direito a menos.
Viva o Carnaval!

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