sábado, 23 de fevereiro de 2019

DE BRUMADINHO A GUARABIRA: O Papel do Estado na Gestão Ambiental

Figura de Capa: Guarabira e região do Aterro Sanitário. Fonte: Parecer Técnico entregue junto a denúncia ao MP.

Por: Talles Chateabriand de Macêdo* & 
        Belarmino Mariano Neto**


     É evidente que precisamos definitivamente acabar com a politização (na conotação negativa) da gestão ambiental no Brasil. O Crime Ambiental que foi noticiado como "A catástrofe anunciada que aconteceu em Brumadinho" é mais um sinal vermelho que acende, demostrando que somos um país que não respeita a legislação ambiental e para os infratores a impunidade é o prêmio. Então queremos ressaltar que não foi Brumadinho e sima Mega empresa Vale do Rio Doce (Vale), em especial, quando de trata de grandes grupos empresariais que atuam para além do mercado nacional, consociando o processo de globalização que passa pelo domínio de territórios, controle sobre grupos políticos, forte lobe em governos municipais, estaduais e federais.
Até o dia da publicação desse artigo apenas engenheiros e funcionários da Vale foram presos, mas devemos comemorar esse fato? Um ocorrido que até juridicamente é controverso, os próprios juristas alegaram que para justificar essas prisões, a justiça deveria interpretar como dolo desses profissionais nessas mortes. Em nosso humilde ponto de vista não temos nada a comemorar até que a punição chegue nos grandes. Caso contrário, tragédias como essa serão constantes, independente da escala, pois quando se trata de vida, seja do solo, dos vegetais, dos animais aquáticos e terrestres. E quando se trata diretamente da vida humana, independente das classes sociais e/ou da nacionalidade o que esta em risco é a própria especie.
Em resumo, o que defendemos é que não cabe a nós comemorarmos a prisão de “peixes pequenos” (até se justas fossem) quando os “tubarões” estão e vão continuar soltos. “Mas quem são os poderosos nessa pobre analogia que acabamos de fazer?”, podem questionar os leitores. O que se esconde por traz de gigantesco crime ambiental? Relembrando que não se trata de uma fatalidade, ou de uma catástrofe única, pois na própria região e envolvendo os mesmos atores empresariais, ocorreu crime ambiental semelhante, no Vale do rio Doce e Mariana.
Seguindo a ordem do que acreditamos ser a mais justa, O governo Federal, o Governo do Estado de Minas Gerais e os diretores ou coordenadores do setor técnico da Vale. O primeiro e segundo, através de seus órgãos ambientais responsáveis, é encarregado de licenciar, fiscalizar e punir os empreendimentos que não estejam cumprindo todos os requisitos, ou seja, tem uma função fundamental nisso tudo. Não cabendo, por exemplo, alegar que não tinha pessoal para a devida fiscalização porque é uma escolha do governo e, no meu pondo de vista não se deve confiar na autodeclararão de uma empresa quando se tem o meio ambiente, a vida e o bem-estar de milhares de pessoas em risco.
Isso é papel do Estado! Tanto que até nos Estados Unidos, um país que tem um setor privado mais forte, as fiscalizações de barragens são feitas pelo próprio exército, devido à importância estratégica desse tipo de empreendimento. No caso da Vale, são necessárias as ferramentas de investigação para tentar descobrir até que ponto chegou a informação desse risco dentro do organograma da empresa. Entretanto, conhecendo de perto o processo de licenciamento e de tomada de decisão quando há evidência de grandes riscos, pode ter certeza que essas informações chegaram ao topo.
Sabendo da recorrência desses casos com números expressivos de mortes instantâneas e imaginando a quantidade de erros que temos, principalmente com aquelas ações que geram mortes lentas ao longo do tempo, nos preocupa com o desfecho da qualidade da gestão ambiental que estamos praticando no Brasil. O mais inaceitável e preocupante é quando existem erros sucessivos entre os entes do próprio Estado. 
Até que ponto, esse crime ambiental ocorrido em equipamentos da Vale do Rio Doce (Vale) pode ter relação com o que pode ocorrer na Região Intermediária de Guarabira? E aí entra o caso que estamos acompanhando, a mais de um ano, da pretendida construção do Aterro Sanitário do Consórcio Intermunicipal de Municípios (Consires), que engloba 25 municípios de toda região intermediária de Guarabira em território paraibano, que esta sendo projetado para ser instalado a 4 quilômetros do rio Mamanguape e dentro de sua bacia. 
Mariano Neto e Macêdo (2018) já alertaram que o local escolhido sem nenhum embasamento técnico, contraria o Plano Estadual de Resíduos Sólidos da Paraíba, o Plano Intermunicipal de Resíduos Sólidos do próprio Consires. A grande questão gira em torno da escolha desse local que estando dentro da segunda mais importante bacia hidrográfica da Paraíba, quais as motivações para querer instalar um aterro sanitário? Sem esquecermos que acima dessa bacia, existe a barragem Camará, que em 2004 estourou, causando morte e destruição em pelo menos cinco cidades e áreas rurais. Não podemos esquecer que, abaixo do pretenso aterro sanitário, existe a barragem de Araçagi, que abastece mais de 12 municípios circunvizinhos.
Entre os nossos diversos questionamentos, queremos entender primeiramente, porquê um prefeito (presidente do Consórcio) vá em um carro com alguns munícipes (não técnicos) procurar um local para a construção de um aterro sanitário, como quem vai comprar uma propriedade para produzir batata, como foi dito em depoimento de um morador local na denúncia ao Ministério Público. E, para explicar melhor e demonstrar outros vários pontos, vamos tentar fazer uma espécie de linha cronológica dos principais fatos e mostrar todas as inconformidades encontradas pela nossa equipe e demais engenheiros ambientais e estudiosos da área ambiental que estão acompanhando de alguma forma esse processo.
Não cabe aqui discutir o tipo de estruturação da gestão ambiental desses órgãos do Estado. Porém, para explicar ao leitor de forma resumida, em Minas Gerais a gestão é realizada por vários órgãos ligados a Secretaria Estadual de Meio Ambiente (FEAM, IEF, IGAM, Supram, etc) e na Paraíba a principal responsável por essa função é a Superintendência de Administração do Meio Ambiente (Sudema). O mais interessante é sabermos os elevados riscos de impactos ambientais, mas depois do ocorridos, ninguém se responsabiliza ou culpabiliza de fato, os grandes criminosos ambientais.
Nesse sentido, vale ressaltar um importante dado de maneira que fomente a crítica do leitor com relação a Sudema, a Consultoria Afranco Partners (2017) desenvolveu um ranking do licenciamento ambiental em todos os órgãos estaduais do país. Através de 18 variáveis, distribuídas em três eixos principais (transparência, burocracia e prazo), a Paraíba ficou em último lugar entre todos os Estados do Brasil com apenas 05 pontos, a Bahia conquistou a primeiro colocação com 18 e Minas Gerais encontra-se intermediária com pontuação 13 (Figura 1).

Figura 1- Ranking do licenciamento ambiental no Brasil. Fonte: Afranco Partners


       Adiantamos que, além das referências utilizadas para fundamentar esse texto (listadas abaixo), nos referimos às informações contidas nos documentos do Processo n.º 2018 004939 em favor da Ecosolo junto à Sudema, na denúncia de Procedimento n.º 065.2018.001741 , protocolada nos dias 24 de maio e 14 de junho no Ministério Público em Guarabira e na gravação da audiência pública para teórica apresentação do Estudo de Impacto Ambiental produzido pela Ecosolo, no dia 19 de dezembro de 2018, no Teatro Geraldo Alvergas Cabral em Guarabira. Todos esses podendo ser acessados através de solicitação junto aos órgãos supracitados.
No Parecer Técnico anexado na denúncia ao MP conseguimos fundamentar 12 tópicos de questionamentos que indicam a inviabilidade da construção do aterro sanitário na localização pretendida. No período do trâmite de análise da promotoria, a Ecoloso (vencedora da licitação para construção do Aterro) entrou com o Pedido de Licença Ambiental junto à Sudema para construção e, através da citada denúncia, tivemos acesso a toda documentação utilizada no licenciamento prévio do empreendimento. De tal modo, participamos da audiência pública, essa já durante o trâmite da licença de instalação e, foi aí, que surgiram ainda mais pontos de anomalias e violação do processo legal, completamente desprezados pela própria Sudema:

Figura 2 - Localização do olho d'água e drenagem da área. Fonte: Parecer Técnico entregue junto a denúncia ao MP.
  1. A menos de 100m da célula de resíduo projetada existe um olho d’água , além de riachos temporários ou intermitentes que fazem parte da bacia hidrográfica do médio rio Mamanguape (Figura 2);
  2. Há vários indícios de lençol freático raso na região (podendo existir mais olhos d’águas). Caso confirmado usar técnicas de rebaixamento desse lençol além de deixar o projeto bem mais caro, impactaria na vida de toda população e biota do entorno;
  3. Em um raio de 1 km de um ponto localizado no meio da área pretendida, há 23 barreiros e cacimbas utilizadas para abastecimento humano e dessedentação animal;
  4. Em questionário com os 15 moradores nas proximidades do local pretendido (bem próximos mesmo), TODOS se colocaram contra a instalação do aterro sanitário no local, TODOS afirmaram que nenhum funcionário do Consires ou da Ecosolo teriam ido lá, TODOS sabiam que a área já tinha sido escolhida para construção do aterro, apenas 4 dos 15 afirmaram saber o que era um aterro sanitário;
  5. A própria população fez um abaixo-assinado com 282 assinaturas contra a construção do aterro sanitário naquela localidade, pois sabiam dos riscos ambientais para as suas vidas e possível contaminação de suas terras e da água;
  6. O local da pretendida construção do aterro é de alta produtividade e valor econômico, devido justamente suas características hídricas e afinidade para produção de bovinos que está diretamente atrelado a cultura regional;
  7. A pretendida área de construção do aterro sanitário está inserida na bacia de um reservatório (aproximadamente 1,5 km de distância da área pretendida) que abastece a Granja Guaraves, que é umas das maiores do Nordeste e gera milhares de empregos diretos e indiretos em toda região intermediária de Guarabira;
  8. Teoricamente esse aterro deveria servir a 25 municípios (consorciados), só que não há projetos de estações de transbordo para esses municípios, não há projetos de compras de caminhões aptos a transportar resíduos dos municípios até Guarabira (com distância de até 70 km) por parte do Consires e não há um planejamento para essa logística que além de ultrapassar os limites de distância indicados na literatura e normativas, os municípios de pequeno porte sem dúvida alguma não iriam ter condições de arcar com o custo logístico. Tanto que o Plano Estadual de Resíduos propunha 3 aterros para essa mesma área e o próprio Plano Intermunicipal do Consires propunha 3 outras áreas para construção desse aterro diferente da pretendida;
  9. Há residências a menos de 500 metros das células de resíduos que pretendem instalas e se quer foram visitadas pelos técnicos durante o estudo sigiloso (produzido pela Ecosolo) e que a Sudema teve acesso diretamente;
  10. até o momento, as famílias diretamente afetadas não receberam as devidas respostas da Sudema, com relação a denúncia Nº 2018-005684, protocolada pelo Sr. Flávio Franklin Santana Brito, no dia 07 de agosto de 2018, no qual constava um parecer técnico que poderia, naquela data, fomentar o parecer técnico da equipe da Sudema, assinado no dia 30 de agosto do mesmo mês. O principal fato é que além de divergir nas conclusões, o parecer técnico da equipe da Sudema apresentou algumas inconformidades de dados técnicos;
  11. A agilidade (aproximadamente 2 meses) que o Conselho de Proteção Ambiental (COPAM), após sinal positivo da Sudema deliberou o licenciamento prévio do empreendimento. Questionamos como alguns aspectos desse processo são ligeiros, enquanto as indagações dos moradores são morosas?;
  12. A mudança do conteúdo do Termo de Referência (TR), expedido pela Sudema, que apresenta as informações mínimas que deveria conter os estudos ambientais para o licenciamento, principalmente no que concerne os estudos locacionais do empreendimento. Impressionantemente, como se pode observar na documentação envolvida no licenciamento ambiental, as cobranças sobre o tópico supracitado, um dos mais importantes do trabalho, na primeira versão do TR que eram 5 laudas de conteúdo, na segunda versão do TR foi para um parágrafo, ou seja, será que para Sudema não importava mais conhecer “o porquê” aquela área ser escolhida?;
  13. A velocidade de Produção do Estudo de Impacto Ambiental (estudo detalhado) e do Relatório de Impacto Ambiental (resumo com linguagem mais simples) por parte da Ecosolo e o estranho pedido de sigilo, justamente do Estudo de Impacto Ambiental, que inclusive é um documento no qual há responsabilidade técnica envolvida, porém, sem possibilidade de análise de todas as metodologias envolvidas na produção dele e como os órgãos estaduais deram esse direito de sigilo?;
  14. Na ficha documental no processo de Licença Prévia da Sudema, o aterro que teoricamente serviria para aproximadamente 300.000 habitantes é impressionantemente caracterizado como “atividade de pequeno porte”? Será mesmo de pequeno porte, um aterro sanitário dentro de uma bacia hidrográfica e entre duas barragens para captação de água que abastece população em todo o Vale do rio Mamanguape?;
  15. Dentre a documentação do licenciamento prévio a Ecosolo pede que a Sudema relativize uma tabela, segundo eles mesmos com diretrizes do Ministério das Cidades, alegando “liberdade do projetista”. Vale ressaltar que essa tabela cita que a área mínima para um empreendimento desse porte seria 55 (cinquenta e cinco) hectares, entretanto, o empreendimento contará com aproximadamente apenas 30 hectares.

Como afirmamos no item 8 dessa lista, teoricamente o aterro poderia atender a 25 municípios, como ser pode observado na Figura 3:
Figura 03 - Municípios que podem integrar o Consires. Fonte: Parecer Técnico entregue junto a denúncia ao MP. 



São realmente muitas inconformidades, isso porque ainda não tivemos acesso a vários outros documentos. Mas para relacionar os fatos seria necessário explanar mais sobre o o aterro sanitário de Guarabira, dentro da bacia hidrográfica do rio Mamanguape. No entanto, o que liga Brumadinho a Guarabira?
É, justamente, o papel teórico e prático que os Estados tiveram através de seus órgãos ambientais nos dois casos, e como essa institucionalidade esconde e exime os entes que participam do processo de suas respectivas responsabilidades. O Estado tem o papel de licenciar, fiscalizar e punir obras que tenham potencial de impacto ambiental. Ele é, nos dois casos, o órgão mais importante em toda a cadeia. Inclusive, o Estado tem, entre todos, o maior dever moral de trabalhar por uma adequada gestão ambiental, tendo em vista que a mesma está diretamente relacionada a qualidade de vida da população e é para isso que seus agentes públicos recebem seus vencimentos todos os meses.
Em ambos os casos, os órgãos ambientais deram Pareceres Técnicos favoráveis, com velocidade, transparência e burocracia demasiadamente questionáveis e, no caso da Paraíba, ainda existe uma saída viável, refazer esse processo e ouvir as comunidades envolvidas, pois a tragédia/crime ambiental ainda não aconteceu. 
Se em ambos os Estados de Minas Gerais e da Paraíba as obras de alto risco ambiental envolvido e considerável protesto da população contra, o que existe. Na Paraíba, apesar de não haver risco considerável de morte instantânea, como aconteceu em Brumadinho, além do licenciamento ir de encontro com várias normativas, caso ocorra algum acidente nesse aterro sanitário (que já apresenta grandes indicativos de inviabilidade econômica para o Consórcio) milhares de empregos serão afetados, devido ao grande impacto que terá na Guaraves, maior empresa da região e aos produtores que ficam na área de entorno.
Então, como técnico ambiental, como cientistas ambientais e cidadãos, ansiamos que casos como esses sejam cada vez menos frequentes e de fato, não ocorram mais. Pedimos o quanto antes, que o Estado assuma seu papel de prover uma boa qualidade de vida para sua população. Que o judiciário cumpra seu papel de punir todos os culpados envolvidos, utilizando de ferramentas de investigação adequadas e legais. Que a Sudema observe que não podemos tentar sanar o problema dos lixões cometendo outras infrações ambientais e sem respeitar o rito legal porque não é assim que se faz gestão pública, não é assim que vamos transformar esse país.
Enquanto uns trabalham para facilitar a vida do grande capital, das grandes empresas, aceitando lobe, dando parecer favorável, aprovando leis que favoreçam suas ações lucrativas e despreocupadas dos riscos ambientais, populações inteiras, animais, plantas e solo correm sérios riscos. A Natureza em Xeque e o Meio Ambiente em Cheque. 
Somos contra e estamos aqui para defendermos uma Sociedade Ecológica, justa e solidária!

AUTORES E TITULAÇÃO
* Talles Chateabriand de Macêdo. Eng. Ambiental. Mestrando em Gestão e Regulamentação de Recursos Hídricos/UFCG.
** Belarmino Mariano Neto. Doutor em Sociologia Ambiental UFCG/UFPB. Mestre em Meio Ambiente e Desenvolvimento (PRODEMA) UFPB/UEPB. Prof. da UEPB Guarabira.

Agradecimentos a Agência Nacional de Águas (ANA), a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), financiadores do programa de mestrado o qual Telles Macêdo participa e ao Centro de Desenvolvimento Sustentável do Semiárido (CDSA) da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG).

Referências e mais informações:
http://lattes.cnpq.br/1093049998665508
http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4799003E3

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