Em festa de lapinha, tradição do meu interior, temos as músicas e as danças, com dois cordões de moças, sendo o cordão azul e o cordão encarnado, com dançarinas cheias de laços de fitas e umas roupas de seda com plumas e paetês.
Os rapazes, querendo arrumar namoradas, ficam colocando dinheiro em pequenos cestos aos pés das dançarinas. Sempre tinha as mestras e contra-mestras, que eram as mais bonitas e comandavam os ritmos e as cantigas, que misturavam o sagrado e o profano.
Damião saiu do Brejo de Areia ainda criança e com a idade de dez anos veio morar em Guarabira.
Quando criança, em termos de estudo, aprendeu pouco e nessa vida injusta, logo cedo aprendeu a fumar e da curiosidade, trabalhou por anos seguidos em olaria de telha e tijolo.
De curiosidade aprendeu a dirigir ainda rapaz, e entre carro pequeno, trator e caminhão ele dirigia sem medo.
Seu pai era daqueles brutos do interior, mas gostava de música, de bailes e no vai e vem da vida, comprou um cavaquinho velho e desgastado pelo uso e, nas bocas das noites, tentou sem muito sucesso, dedilhar umas notas.
Damião observava de longe e tinha vontade de pegar o instrumento, mas seu pai sempre guardava num baú a cadeado.
Na lida das olarias, quem dirigia ganhava um pouco mais e ele foi juntando dinheiro, pra quem sabe, um dia, poder comprar um cavaquinho. Mas antes dessa compra, descobriu que tinha um alejado chamado Rufino , que morava na rua da ladeira, que sabia tocar violão e outros instrumentos.
E foi com um amigo chamado Cícero até a casa de Rufino. Ele não o conhecia e chegando lá descobriu que Rufino tinha paralisia infantil. O amigo apresentou os dois e perguntou quanto ele cobrava por umas aulas de cavaquinho. Ele disse que cobrava 5 mil rés e garantia que em três meses ele estaria tocando em baile, lapinha e reisado.
Damião adiantou 10 mil rés e Rufino já foi lhe ensinar os primeiros acordes. Nas primeiras noites de aula e com as cabeças dos dedos machucadas, pensou logo em desistir, mas como já tinha adiantado o pagamento continuou o aprendizado.
Ele pediu pra o amigo guardar segredo, pois não queria que seus pais ficassem sabendo. E como estava de paquera com Dora a contra-mestra do cordão encarnado da Lapinha do Rosário, queria segredo.
Depois de quatro meses, Rufino já havia ensinado até a afinação das cordas e disse que Damião já tava pronto. Então ele criou coragem e foi no Rei dos Discos, única loja em Guarabira, que vendia instrumentos e comprou um ótimo cavaquinho, além de um triângulo e um pandeiro.
Em casa, Damião sempre observa seu pai quebrando a cabeça com o seu velho cavaquinho mas não comentava nada, e as vezes ria com os cantos do rosto para que seu pai não notasse. Mas nessa boca de noite o velho percebeu e esbravejando disse, tá rindo de quê?
Aí Damião disse, é que o cavaquinho tem quatro cordas e o senhor só toca em uma, mas acho que era pra tocar com as quatro. Foi a deixa e, seu pai desafiando, disse, então tente você, mas se não tocar eu quebro na sua cabeça.
Damião pegou o cavaquinho, pegou a palheta e deu um pequeno ajuste nas cordas pra encontrar o tom. Quando acertou a afinação, passou a palheta nas quatro cordas e aprumou um chorinho.
Aí seu pai disse, espia Maria, num é que esse moleque leva jeito! Onde danado tu aprendeu a tocar. Ele disse, o alejado da rua da ladeira me deu umas aulas, mas ainda tô aprendendo.
Seu pai disse, o cavaquinho é seu. Ai Damião disse, esse seu não segura a afinação e eu já comprei o meu lá no Rei dos Discos. "Cabra da peste", resmungou seu pai com um ar de alegria.
Nesse meio tempo, Dora já estava sabendo dos boatos e o que era uma paquera, foi se virando namoro sério e em pouco tempo Damião já estava animando as lapinhas e os bailes das redondezas.
Ele disse que aprender cavaquinho foi seu maior feito, pois lhe ajudou a conquistar o coração de Dora e diminuiu a sua matutice de rapaz do interior.
Agora, com 82 anos e Dora com 83, contou que nunca se separaram. Mas o cavaquinho e até outros instrumentos eram só diversão, pois ganhou mesmo a vida foi como motorista de caminhão e para isso, aprendeu não apenas dirigir, mas a entender da mecânica dos motores, pois são como o coração das moças, cheios de delicadezas.
Quanto a lapinha, baile e reisado, quando era tocador, sempre colocava dinheiro na caixinha do cordão encarnado, pois sua alegria era ver a bandeira vermelha sempre lá em cima.
Por Belarmino Mariano, memória do velho Damião, imagem fantasia das redes).