quinta-feira, 1 de novembro de 2018

Bolsonaro teria escrito seu primeiro discurso como novo presidente do Brasil?

Jaír Bolsonaro e apoiadores, discurso de eleito. Imagem extraída do Site da Canção Nova.

Por Belarmino Mariano Neto*

Gostaria de alertar aos leitores para um texto até certo ponto, longo ou elástico, com a intensão de analisar o primeiro discurso proferido pelo presidente eleito JAIR MESSIAS BOLSONARO (28/10/2018). O artigo consistiu em assistir, ouvir e  transcrever o primeiro discurso do presidente eleito, para, através de uma análise comparativa com outros discursos do mesmo, problematizar as nuances ideológicas e contradições expressas em seu primeiro discurso escrito. 

Sabemos que a análise do discurso tem sua tradição científica em pressupostos do Materialismo Histórico, dando conta de interpretar as comunicações dos atores ou grupos sociais, sabendo que todo discurso possui um sentido ideológico. Destacamos que a  análise do discurso é uma categoria das ciências humanas, com milhares de publicações, mas, escolhemos os autores: Amossy (2005), Foucault (1998) e Pêcheux (2009), por considerá-los suficientes para o que propomos analisar. 
É uma pergunta que não poderia deixar de passar em branco. De quem é aquele primeiro discurso de Bolsonaro, lido por ele em sua primeira transmissão ao vivo, depois de eleito? Quem escreveu aquele primeiro discurso do presidente? Claro que ele poderia ter escrito tudo aquilo, mas o texto contém uma linha de pensamento completamente diferente de tudo o que ele disse ao longo dos seus 30 anos enquanto político, inclusive nos últimos anos e durante a sua campanha para presidente.
Será que existem dúvidas que foi ele que escreveu aquele discurso transmitido ao vivo para a Avenida Paulista, dias antes da eleição? "-Vamos varrer do mapa esses bandidos vermelhos do Brasil. Nós somos a maioria, nós somos o Brasil de verdade... Lula, você vai apodrecer na cadeia...bandidos do MST, bandidos do MTST, as ações de vocês serão tipificadas como terrorismo...ou vocês se enquadram a lei ou vão fazer companhia ao cachaceiro, lá em Curitiba...nós ganharemos essa guerra...a folha de São Paulo é o maior fake news do Brasil, vocês não terão mais verba publicitária do governo..."

Vimos que se tratam de dois discursos completamente diferentes. O da avenida paulista é claramente uma fala de Bolsonaro, panfletária e nitidamente de um agitador que intenciona agitar seus seguidores. O do dia 28 de novembro tem uma outra redação, um manuscrito lido por ele, pregando  o cumprimento da constituição e o respeito a democracia. Tudo começou com uma oração proferida pelo seu aliado, Senador Magno Maltas, que antes da reza, afirmou que os "tentáculos da esquerda foram arrancados por obra e graça de Deus". Na sequencia, o presidente Jair Messias Bolsonaro fez uma fala aberta e agradeceu a Deus e aos médicos e enfermeiros de Juiz de Fora que salvaram a sua vida da suposta facada e afirmou que essa é uma missão de Deus e que estará pronto para cumpri-lá.


A  leitura do discurso começou com mais uma citação Bíblica: "-Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará (João 8:32)... Nunca estive sozinho, sempre senti a presença de Deus e a força do povo brasileiro... faço de vocês minhas testemunhas de que esse governo será um defensor da Constituição, da democracia e da liberdade..."

O Deputado Jair Bolsonaro, em seu primeiro pronunciamento a nação já começou ferindo os artigos 5 e 19 da Constituição, em que o país é uma Estado laico de direito e o mesmo impõe um Deus como padrão. Mas ele sempre foi um forte expoente nos ataques e desrespeitos a democracia, a constituição e as liberdades. Existe vasta literatura, entrevistas e vídeos em que o mesmo é um forte defensor da ditadura militar, dos torturadores e da opressão aos seus opositores, inclusive em discurso para seus seguidores concentrados na avenida paulista, dias antes da eleição. Ele próprio já afirmou categoricamente que se fosse eleito presidente, fecharia o congresso nacional e implantava uma ditadura, inclusive, fazendo o servido que o regime militar não fez, matando uns 30 mil.

Nesse caso, existe um paradoxo entre seus discursos anteriores e o primeiro discurso escrito e lido, como presidente eleito. Vejamos mais: "- É uma promessa, não de um partido, não é a palavra vã de um homem, é um juramento a Deus...A verdade vai transformar esse grande país e a liberdade vai nos transformar em uma grande nação... Nas urnas não foi a vitória de um partido, na verdade foi o farol que nos guiou até aqui e que vai continuar iluminando o nosso caminho...O que ocorreu hoje nas urnas, não foi a vitória de um partido, mas a celebração de um país pela liberdade..."

Essa parte do texto não diz muita coisa, mas parece que, a pessoa que escreveu, teve a intenção de conter o ímpeto do presidente eleito, quando enfatiza exageradamente a palavra Deus e Liberdade, tentando humanizar o candidato que durante toda sua trajetória politica foi truculento, agressivo e desrespeitoso com as liberdades e com os direitos fundamentais, inclusive contra as minorias. Ele próprio assumiu que era homofóbico, ele mesmo insistiu em atacar as minorias como negros, índios, mulheres e gays, lhes negando. Vídeos e entrevistas assustadores confirmam suas opiniões sobre esses seguimentos, aos exemplos de que ninguém gosta de gays, que se ter um filho gay é falta de porrada, e que se levar um coro ele muda o comportamento dele. Ele defende o armamento para a população civil. Ele afirma que não pagaria o mesmo para uma mulher pois engravida. 

Ele defende a redução da maioridade penal para 16 anos, mas chega a defender a redução para 12 anos. Ele chegou a comparar quilombolas obesos em arrobas e afirmou que os indígenas no seu governo não terrão um centímetro de terras demarcadas. Então percebemos que o discurso sobre Deus e liberdade, não se encontram com o que ele de fato defende contra os grupos sociais, inclusive com as maiorias, pois mulheres e descendentes de negros são a grande maioria da nossa nação.

Ele continuou o seu discurso escrito, afirmando que: "- O nosso governo será constituído por pessoas que tenham o mesmo proposito de cada um que me houve nesse momento, o proposito de transformar o nosso país em uma grande, livre e prospera nação... Liberdade é um principio fundamental, liberdade de ir e vir, andar nas ruas, em todos os lugares desse país... Liberdade de empreender, liberdade política e religiosa, liberdade de informar e ter opinião, liberdade de fazer escolhas e ser respeitado por elas..."


Observe a quantidade de vezes que o texto citou a palavra liberdade, mas no discurso da paulista, o então candidato atacou violentamente a liberdade de imprensa do Jornal A Folha de São Paulo, também atacou violentamento o que ele chamou de "Vermelhos", se referindo ao PT, PCdoB, PSOL, PCB, PSTU, MST, MTST, CUT, entre outros vermelhos, que provavelmente lhe farão oposição, como um direito constitucional e democrático, pois na democracia, o principio de respeito as opiniões divergentes, o respeito ao debate de opiniões e as contradições de ideias, inclusive das minorias devem ser respeitadas. 

Logo, quem escreveu esse discurso, tenta amordaçar o real pensamento do então presidente eleito, meio que lhe comprometendo com algo em que ele não acredita e que sempre atacou com veemência em vários momentos de sua carreira política. Inclusive foram os seus discursos inflamados que assustaram pessoas, movimentos sociais e a imprensa do mundo inteiro, levando a cabo o entendimento de que o mesmo representava uma linha de pensamento, ideologicamente atrelada a uma espécie de nazifascismo, só vistos na Europa, durante a segunda guerra mundial. 
Outro aspecto do seu discurso é sobre a ideia de liberdade política e religiosa, mas o mesmo afirmou em diferentes momentos que trava uma guerra contra os vermelhos comunistas e socialistas e se coloca contra essas ideologias, tanto no Brasil quanto no mundo e quando se trata de religião, fica claro que o mesmo relaciona religião apenas a sua, ofendendo inclusive o estado laico, quando escolhe um lema de campanha em que o Deus Cristão é a referencia, ignorando os deus de matriz africana, indígena ou asiática que é cultuada no Brasil.

Dando sequência ao seu discurso escrito temos novos trechos: "- Esse é um país de todos nós, brasileiros natos ou de coração, um Brasil de diversas opiniões, cores e orientações...Como defensor da liberdade, vou guiar um governo que defenda e proteja os direitos do cidadão, que cumpre seus deveres e respeita a lei. Elas são para todos, por que assim será o nosso governo, constitucional e democrático..."


Depois de tudo o que o deputado já disse contrário ao texto lido, existe uma distância gigantesca entre os seus anos de parlamento e em apenas uma hora depois de eleito. Existem vídeos em que o mesmo sugere a sonegação fiscal e o descumprimento da lei ou da constituição. Afirma que através do voto não se muda nada nesse país, chega a sugerir uma guerra civil, matando pessoas, começando por FHC (Fernando Henrique Cardoso - PSDB - Ex-Presidente do Brasil). Como será um governo constitucional e democrático que esse ameaça metralhar seu opositores, se sugere que seus opositores se exilem em Cuba ou na Venezuela?

Outra contradição em relação ao seu discurso é o frontal ataque ao STF, quanto aos argumentos de insegurança das urnas, de possíveis fraudes eleitorais a partir das urnas eletrônica e do batalhão que já estava aposto, caso o resultado fosse outro. Vídeos e declarações de militares aliados que afirmavam categoricamente que não aceitariam outro resultado. Senti que o Brasil estava entrando em uma possível e declarada guerra caso os votos não estivessem nas urnas. Até familiares como seus filhos, clamavam o mesmo, chegando inclusive a dizer que o STF teria que ter coragem para impugnar a candidatura do pai. Espantosa foi a declaração de um dos seus filhos, ao afirmar que para fechar o STF só precisaria de um cabo e de um soldado.
Será que esse discurso em relação a diversidade de opiniões, cores e orientações é mesmo um pensamento bolsonarista? Ele já disse que não permitiria que um filho tivesse uma esposa negra, ou que não aceitaria o tratamento médico de um cotista. Sobre a diversidade sexual, suas declarações são extremamente absurdas, contra gays, jornalistas e mulheres. Sobre os brasileiros de coração, Bolsonaro já vez várias declarações contrárias a exilados e/ou refugiados que estão em nosso país, em especial os de origem muçulmana, cubana e venezuelana. Será que seria possível mudar o discurso tão rapidamente? Inclusive aos médicos cubanos que estão em missão de saúde, através do Programa Mais Médicos.

Em outro trecho da leitura do discurso, o presidente afirmou que: "-Acredito na capacidade do povo brasileiro, que trabalha de forma honesta e que podemos juntos, governo e sociedade, construir um futuro melhor...Esse futuro de que falo e acredito, passa por um governo que crie condições para que todos cresçam. Isso significa que o governo federal dará um passo atrás, reduzindo a sua estrutura e a burocracia, cortando desperdícios e privilégios para que as pessoas possam dar muitos passos a frente. Nosso governo vai quebrar paradigmas, vamos confiar nas pessoas, vamos desburocratizar, simplificar e permitir que o cidadão ou o empreendedor tenham mais liberdade para criar e construir o seu futuro. Vamos desamarrar o Brasil... Outro paradigma que vamos quebrar, o governo respeitará de verdade a federação. As pessoas vivem nos municípios, portanto os recursos federais, irão diretamente do governo central para os Estados e Municípios... Colocaremos de pé a federação brasileira, nesse sentido que repetimos que precisamos de mais Brasil e menos Brasília... Um Estado democrático de direitos, tem como um dos seus pilares, o direito de propriedade. Reafirmamos aqui o direito e a defesa desse  princípio constitucional e principal fundador das nações democráticas do mundo..."


Gostaria muito de ter ouvido Bolsonaro tratando destas questões de quebra de paradigmas nos debates que teve oportunidade de ir. Também vemos que o discurso em alguns momentos, se perde em divagações ou frases vazias, pois em meias palavras ele tenta simplificar o importante debate sobre o pacto federalista e a quebra de paradigmas, mas promete o que todos os outros governos já fizeram em relação ao repasse de recursos para os estados e municípios, inclusive com uma constituição que determina valores de repasses, limitações de gastos e obrigações dos entes federativos. 

Porém, existem contradições claras entre o que afirmou nesse discurso escrito e em entrevistas, ondo o mesmo disse categoricamente que tratará em segundo plano, os governos estaduais que não lhe apoiaram na campanha presidencial. Nesse caso, fica claro que Estados do Norte, como o Pará, do Centro-Oeste como Tocantins e todos os Estados do Nordeste, poderão ter um tratamento secundário, como afirmou o então candidato em entrevista ainda no primeiro turno. 
Nunca ouvi nenhuma declaração ou entrevista de Jair Messias Bolsonaro sobre o Federalismo no Brasil. Na verdade, de maneira superficial, o provável Ministro da Economia, Planejamento, Fazenda e Indústria, Paulo Guedes (suspeito de corrupção com fundos de pensões), ele citou um tópico sobre distribuição de renda entre o governo central, estados e municípios, mas não deixou claro como seria ou aconteceria tal feito. o que demonstra que talvez o discurso lido por Bolsonaro, se distancie de sua própria feitura. 

Vale salientar que o Brasil se tornou uma República Federativa a mais de um século, pois desde 1889, quando o país deixou de ser um império, através de um golpe militar de Estado, liderado pelos Marechais Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto, com o apoio de grupos políticos insatisfeitos com o regime monárquico brasileiro. Na verdade, esse modelo foi copiado dos Estados Unidos, guardadas as proporções e diferenças entre ambos, pois no caso americano o pacto federativo nasceu da união entre os treze estados que inicialmente fundaram o USA (Estados Unidos da América), enquanto que no Brasil, ocorreu exatamente o contrário, pois com a queda do Império, o país se fragmentou em 21 Estados, oriundos das províncias que formavam a Monarquia Imperial Brasileira. O federalismo brasileiro jã nasceu centralizado e sob o controle de uma regime militarista.

O federalismo brasileiro já nasceu com forte concentração do poder do governo central, controlado pelos marechais, com poderes altamente centralizadores, conflitos de interesses entre gaúchos, cafeicultores paulistas, mineiros e outras oligarquias espalhadas pelo Brasil. Nunca conseguiram mudar essa lógica federalista, tendo inclusive governos fortemente centralizadores, como Getúlio Vargas (1930-1945), bem como, os 21 anos da Ditadura Militar dos generais(1964-1985), tão adorada pelo presidente Jair Bolsonaro, que além de ser capital da reserva, tem seu vice como o General Hamilton Mourão, também um militar da reserva.
Logo, fica difícil de acreditar que Bolsonaro, tenha interesse em propor um novo pacto federativo para o Brasil, sem esquecermos que o mesmo opera em apoio aos regimes totalitários, que tem características centralizadoras. Basta lembrar que na era Vargas, o governo chegou a destituir governadores, ou que durante a Ditadura Militar, os governadores eram biônicos ou indicados pelos generais. E o federalismo brasileiro foi quase que completamente destruído pelos militares, deixando os Estados, completamente reféns do poder centralizador das forças armadas. 
Em outros momentos Bolsonaro ainda afirmou categoricamente que não entende de economia, cargas tributárias e outros apetrechos que aquecem esse debate do pacto federativo e guerras fiscais entre os estados brasileiros. Diante de tal dificuldade do atual presidente, diante dos seus diferentes ataques a Constituição de 1988, de negação da democracia, inclusive sugerindo o fechamento do poder legislativo. Acho até que, nem teria noção que foi esse congresso, com a redemocratização e com a Constituinte de 1988, que retomou o Pacto Federativo, transformando os antigos Territórios de Segurança Nacional (Amapá, Roraima, Rondônia, Acre e Fernando de Noronha e Guanabara, os dois últimos, anexados ao Estado de Pernambuco e do Rio de Janeiro) em Estados autônomos federados, e dando maior autonomia financeira aos outros  estados e municípios, com as várias emendas a constituição que equilibraram os ganhos entre estados e municípios. 
Outra particularidade do nosso pacto federativo, que se tornou bastante problemática, foi a gigantesca fragmentação territorial realizada durante a Ditadura Militar, patrocinando a criação de milhares de novos municípios, hoje são mais de cinco mil, com diferentes dimensões e que também se tornaram entes federativos, gerando uma nova repartição dos recursos diretamente do poder central da federação e interferindo na correlação de forças entre os Estados Federados e o Governo Central. Com isso, não queremos dizer que o Pacto Federativo seja justo e equilibrado entre seus entes, mais, isso dependerá  do governo e do congresso para a melhoria das relações entre os poderes e os entes da federação. Particularmente sou defensor de um Novo Pacto Federativo, mas não vejo no eleito as qualidades, nem as capacidades políticas para tamanho feito.

Porém, seu Vice-presidente, o General da Reserva Hamilton Mourão, chegou a declarar que defende um Constituinte de Notáveis, que depois seria submetida ao  povo, através de um plebiscito. Mas o que seria essa Constituinte de Notáveis? Estaria dentro dela o tema sobre um Novo Pacto Federalista? Bom, faz dias que não escutamos o vice-presidente eleito democraticamente. Inclusive, o mesmo, nem estava no momento em que Bolsonaro leu seu discurso a Nação, através das redes sociais com a cobertura de alguns jornalistas. Ele como um Sulista, general da reserva e simpatizante das causas sulistas, apoiaria algum novo pacto federalista que vislumbrasse algum tipo de separatismo entre estados? Diante das fortes crises instaladas em alguns estados e municípios brasileiros, podemos relacionar com a tal constituinte de notáveis, proposta por Mourão?


Bolsonaro  ainda afirmou que: "-Muito do que estamos fundando no presente, trará conquistas no futuro. as sementes serão lançadas e regadas, para que a prosperidade seja o designo dos brasileiros do presente e do futuro. Esse não será um governo, apenas de necessidades imediatas. As reformas as quais nos propomos, serão para criar um novo futuro para os brasileiros e quando digo isso, falo com uma mão voltado para um seringueiro no coração da selva amazônica e outra para o empreendedor suando para criar e desenvolver a sua empresa, porque não existem brasileiros do Sul ou do Norte, somos todos um só país, somos todos uma só nação, uma nação democrática..."

Fica outra grande pergunta: O que de novo Bolsonaro acha que está fundando? Quanto mais ele repete os ideais de liberdade e de democracia, seguidas pelas ideias de reformas, nos sentimos em dúvida, pois os ataques aos direitos e conquistas já garantidos, proferidos pelo candidato durante a campanha, pareciam ameaçadores por um possível governo Bolsonaro. Agora ele fala em direitos iguais, tanto para seringueiros, quanto para empresários, mas vale lembrar que os seringueiros, são descendentes diretos dos indígenas e os mesmos precisam de suas reservas preservadas, pois os seringueiros trabalham com o verde das florestas, mas ele afirmou que os povos das florestas não teriam um centímetro de terra demarcada. 

Por outro lado, um forte grupo de agropecuaristas, do agronegócio e de mineradoras, possuem interesses antagônicos em relação ao meio ambiente e as suas atividade extrativas. Estes estiveram na linha de frente da campanha do presidente eleito e em diferentes momentos foram agraciados com elogios e com a defesa do então candidato, atualmente eleito.

Diante desse gigantesco racha político nacional, inclusive com declarados ataques de xenofobia contra os nordestinos e de movimentos separatistas vindos do Sul, com a ideia de uma nova pátria com os três estados sulistas, diante de declarações de Bolsonaro, de que a Amazônia poderia ficar para os americanos e do anseio de alguns em tornar o Nordeste independente, teríamos condições para falarmos sobre Pacto Federalista. Diante desse gigantesco racha político nacional, inclusive com declarados ataques de xenofobia contra os nordestinos e de movimentos separatistas vindos do Sul, com a ideia de uma nova pátria com os três estados sulistas, diante de declarações de Bolsonaro, de que a Amazônia poderia ficar para os americanos e do anseio de alguns em tornar o Nordeste independente, teríamos condições para falarmos sobre Pacto Federalista diante de tantas ameaças a unidade e a soberania nacional?

Em seu Discurso, Bolsonaro defendeu que: "-Emprego, renda e equilíbrio fiscal é o nosso compromisso para ficarmos mais próximos de oportunidades e de trabalho para todos...Quebraremos o ciclo vicioso do crescimento da dívida, substituindo-o pelo ciclo virtuoso de menores déficits, dívidas decrescentes e juros mais baixos.  Isso estimulará os investimentos, o crescimento e a consequente geração de emprego. O déficit público primário precisa ser eliminado o mais rápido possível e convertido em superávit. Este é o nosso propósito..."

Estranhamente o presidente saiu de um assumido desconhecedor de economia, para um hábil articulador de frases que respondem os principais problemas econômicos estruturais, não apenas do Brasil, mais de qualquer país do mundo capitalista liberal. Só faltou ele explicar o que é o tripé macroeconômico e como fará para criar os empregos e distribuir a renda do país, garantindo um equilíbrio fiscal e o tal ciclo virtuoso que acabará com a dívida pública. Achei que fosse tratar sobre a reforma da previdência, sobre a reforma tributária e sobre as privatizações, mais isso deixa para o Super Ministro Paulo Guedes, que poderá ter quatro ministérios em um: Economia, Fazenda, Planejamento e Indústria. Inclusive, passei toda a campanha achando que o foco do Bolsonaro, seria corrupção e segurança pública, mas o provável super ministro, já disse que a prioridade será a reforma da previdência, ainda este ano. 

Fiquei imaginando como funcionará esse superministério, experiência que não existe em lugar nenhum do mundo liberal. Bom, se a ideia é privatizar tudo ou quase tudo: Banco do Brasil, Caixa Econômica, BNDES, BNB, Eletrobras, Petrobras, universidades, Rodovias federais, Correios, entre tantas outras estatais. Para completar ainda pode fazer a autonomia do Banco Central e privatizar a casa da moeda. Assim, nem vai precisar de planejamento. Também não faz mais sentido Ministério da Indústria pois sem as estatais e com o fortalecimento das empresas estrangeiras controlando tudo, a indústria brasileira perde o sentido. Então sobra o Ministério da Economia e Fazenda que, sem a presença do Estado na Economia, completamente privatizada, talvez nem precise do economista.
Se esse é o objetivo de um entreguista, o raciocínio esta correto, mas estamos notando que o patriotismo ou nacionalismo verde e amarelo vão direto para a lata do lixo. Então, como ficarão os donos do pato amarelo da Avenida Paulista, sem o papel do Estado, principal mediador das relações e incentivos governamentais a frágil indústria brasileira, frente as gigantescas multinacionais que entrarão no mercado para comprar as nossas estatais que ainda restam. Bom, o Ministério da  Fazenda, talvez precise continuar, pois como ficaria a arrecadação dos nossos impostos e os repasses para os estados, municípios, fornecedores e servidores públicos.

O Mitológico presidente, ainda mandou uma mensagem para os jovens brasileiros, dizendo que: "-Aos jovens, palavra do fundo do meu coração, vocês tem vivido um período de incerteza e estagnação econômica. Vocês foram e estão sendo testados a provar suas capacidades de resistir. Prometo que isso vai mudar, essa é a nossa missão. Governaremos com os olhos nas futuras gerações e não na próxima eleição...


O que podem esperar os jovens do atual presidente? Educação a Distância (EaD), desde o ensino fundamental? Privatização das universidades públicas para que os mesmos paguem mensalidades e taxas dos serviços? empregos sem direitos trabalhistas? Reforma da previdência na qual, nenhum jovem conseguirá se aposentar em sua velhice? Terciarização ampla, geral e irrestritas, acabando com os concursos públicos, que serviam como estímulo ao estudo e a formação das gerações? Direito de matar para as forças de repressão dos Estados, atingindo os jovens negros e pobres das favelas, morros e periferias urbanas? apenas cursos técnicos para que os jovens sejam força de trabalho barata a serviço do capital e das empresas privadas? violência com os jovens LGBTs, diante do prolongado discurso de preconceito e homofobia, assumidos pelo candidato? Exílio político para os jovens de esquerda (vermelhos), identificados com o comunistas ou socialistas?


Uma afirmativa estranha apareceu ao final do seu discurso e que poderá afetar outros países: "-Libertaremos o Brasil e o Itamaraty das relações internacionais com o viés ideológico a que foram submetidos nos últimos anos. O  Brasil deixará de está apartado das nações mais desenvolvidas. Buscaremos relações bilaterais, com países que possam agregar valor econômico e tecnológico aos produtos brasileiros. Recuperaremos o respeito internacional para o nosso amado Brasil. Durante a nossa caminhada de quatro anos pelo Brasil, uma frese se repetiu muitas vezes: Bolsonaro, você é a nossa esperança. Cada abraço, cada aperto de mão, cada palavra e cada manifestação de estímulo que recebemos nessa caminhada, fortaleceram o nosso proposito de colocar o Brasil no lugar que merece..."


Esta foi a parte do discurso que achei mais complicada de entender. Qual é o aprisionamento ideológico internacional submetido ao Brasil e ao Itamaraty? Em que momento, os governos anteriores deixaram de se relacionar com os países desenvolvidos (Nafta, União Europeia, G-20, BRICS, etc)? O Brasil tanto pratica relações bilaterais, quanto relações multilaterais, inclusive, dentro de importantes blocos econômicos como o Mercosul, G-20 e BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). O novo governo pretende acabar com as relações multilaterais?  Será intenção excluir o Brasil das parcerias com o Mercosul? O atual presidente pretende tirar o Brasil do BRICS, afastando o país de parceiros comerciais como a Africa do Sul, Índia, China e Rússia? Que viés ideológico é esse? relações do Brasil com a Colômbia, Peru, Venezuela, Cuba, países africanos, Irã, Coreia do Norte? Ele pretende retirar o Brasil do lugar em que se encontra e onde ele pretende colocar o Brasil? 

Fico com uma pulga atrás da orelha, pois essa frase viés ideológico é recorrente em diferentes discursos de Bolsonaro, mas me parece que ele nada entende sobre dialética, pois ao afirmar um viés ideológico, automaticamente ele escolhe o contrário e em síntese, se ele optar o viés ideológico americano (capitalista liberal) como modelo, poderá esta excluindo a China (Socialista Real), maior parceiro econômico com Brasil, chegando a negociar o dobro do que os americanos conseguem. Então os chineses comunistas e vermelhos, talvez possam ser o perigo que Bolsonaro menciona sempre.

Na fase conclusiva do seu discurso o presidente afirmou que: "-Nesse projeto que construímos cabem todos aqueles que têm o mesmo objetivo que o nosso. Mesmo no momento mais difícil dessa caminhada, quando por obra de Deus e da equipe médica de Juiz de Fora e do Albert Einstein, ganhei uma nova certidão de nascimento, não perdemos a convicção de que juntos poderíamos chegar a esta vitória. É com essa mesma convicção que afirmo (cara de riso - grifo nosso), ofereceremos a vocês um governo decente, que trabalhará verdadeiramente para todos os brasileiros. Somos um grande país e agora vamos juntos, transformar esse país em uma grande nação. Uma nação livre, democrática e próspera. Brasil acima de todos e Deus acima de tudo. Muito obrigado."

Parece subjetivo, mais dos poucos momentos em que o presidente abriu um riso facial, foi quando ele tratou sobre a suposta facada e o atendimento que o mesmo recebeu, tanto em Minas Gerais, quanto em São Paulo. Me pergunto, qual o motivo de abrir um sorriso para, talvez, o momento mais tenso de toda a campanha presidencial?

Também foi interessante observar que no início do discurso o presidente afirmou que governará para todos os brasileiros, afirmativa que o mesmo repetiu no meio do discurso. Mas, nesse último momento de sua leitura, ele endossa a ideia de que governará para todos aqueles que têm o mesmo objetivo do seu grupo.
Ou seja, como ficarão os grupos de oposição ao governo, representados por milhares de prefeitos e por dezenas de governadores, deputados e senadores que estarão em oposição e farão críticas aos possíveis erros do seu governo? Isso também representa mais de 47 milhões de brasileiros que não votaram em seu projeto, além de mais 42 milhões que se abstiveram, votaram em branco ou nulo. Isso representa um quadro de 89 milhões de brasileiros, um número superior aos 58 milhões de eleitores que votaram no mesmo.

O que temos no discurso escrito e lido pelo presidente, independente ter sido uma leitura confusa, sem uma clara pontuação e com uma nítida misturada de temas, deixando de fora o vice-presidente, que em momento algum, foi mencionado como um  possível coautor do discurso.

Aqui também não merece indagarmos sobre a informalidade da transmissão, que poderia ter sido uma coletiva de imprensa, pois existiam centenas de profissionais da imprensa de vários países do mundo.
A preocupação maior é compreendermos a quantas mãos foi escrito esse discurso, quem escreveu e com quais intenções, entregar um discurso para o presidente que, altera completamente, todo o seu discurso e práticas políticas partidárias vividas pelo presidente.
Alguns trechos desse discurso, com exerço de palavras como democracia, liberdade e garantias constitucionais, alteram tudo o que o presidente disse ao longo dos seus quase 30 anos como parlamentar. Outros, que tratam de alguns encaminhamentos econômicos, demonstram que o presidente, se assim possuí tais conhecimentos de economia, teria plenas condições de debater com os seus adversários.
Nossa intenção aqui, não é confrontar o discurso do presidente democraticamente eleito, mas apenas analisar o que o mesmo dizia antes de ser eleito e o que passou a escrever e discursar para toda a nação e para o mundo, dando um recado bem dirigido, que até certo ponto, fere o Estado laico e pode assustar outras nações, que mantêm longa ou histórica relação com os sucessivos governos brasileiros, inclusive com empresas em funcionamento dentro do Brasil.
No discurso escrito, o autor do texto deixou de fora, qualquer menção aos temas ambientais, não tratou ou disse uma frase que envolvesse as grandes questões ambientais, relativas aos impactos ambientais, demarcações de terras indígenas, de territórios quilombolas, áreas de conflitos que envolvem interesses de mineradoras, garimpeiros, agropecuaristas e fronteiras agrícolas,  entre outros temas ambientais de interesse internacional. Mas, mesmo antes de ser eleito já flertava com os ruralistas a possibilidade de fundir o Ministério da Agricultura (agronegócio) com o Ministério do Meio Ambiente, inclusive atacava as ações do IBMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente) e do ICMBios (Instituto Chico Mendes - defesa ambiental). Ou seja, acabar com o Ministério do Meio Ambiente pode significar o fim dos órgãos de defesa da natureza.
A maior dúvida é, acredita-se nesse discurso? ou acredita-se no discurso feito no Acre em que o mesmo ameaçou fuzilar a petralhada, em que orientou os vermelhos em pegar o caminho do Aeroporto para a Venezuela ou Cuba. Acreditar nesse discurso de criminalização ou nas falas que ameaçam os movimentos sociais organizados que poderão ser considerados terroristas.
Qual será a verdade tão propagada pela presidente Bolsonaro? Será uma verdade que serve para todos? Será uma verdade que servirá apenas para os seus aliados e apoiadores? Qual a verdade do presidente Jair Messias Bolsonaro devemos conhecer para que ela possa nos libertar, quando em quase toda a sua vida ele pregou na verdade, o amedrontar e o aprisionar?

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Por Belarmino Mariano Neto*
Prof. do Departamento de Geografia da UEPB, Campus III.
Prof. de Teoria da Geografia, Biogeografia, Geografia Política e Geopolítica.
Líder do Grupo Olhares Geográficos - Geografia Cultural e da Percepção
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Fontes:


FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. São Paulo: Loyola, 1998. 
AMOSSY, R (org). Imagens de si no discurso. São Paulo: Contexto, 2005.
PECHEUX, Michel. Semântica e Discurso: uma crítica à afirmação do óbvio. Campinas: Editora da Unicamp, 2009.
https://www.youtube.com/watch?v=9rOVY0Uw_os
https://www.youtube.com/watch?v=9h76LaoorC4
https://www.youtube.com/watch?v=QJNy08VoLZs
https://www.youtube.com/watch?v=rstRfaGJqyY
https://www.youtube.com/watch?v=ElBQbueU0tQ
https://www.youtube.com/watch?v=5rx2byo3hCY
https://br.sputniknews.com/noticias-eleicoes-2018-brasil/2018101112420338-jair-bolsonaro-psl-fernando-haddad-pt-gerardo-cerdas-vega-brics-russia-brasil/
https://www.youtube.com/watch?v=T5uHkt080rA
https://noticias.cancaonova.com/brasil/vitoria-de-jair-bolsonaro-e-repercutida-pela-imprensa-internacional/
https://www.youtube.com/watch?v=prBRiAPBRcE
https://www.youtube.com/watch?v=oYz1PNZrwoc
https://www.youtube.com/watch?v=W4dNZVFJdZ0
https://www.youtube.com/watch?v=CqhpFDL-nWw

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