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| Eleitores de Bolsonaro ostentam uma bandeira de Israel (Carl de Souza/AFP). Extraída da Carta Capital 31/10/2018. |
Por: Belarmino Mariano Neto*
O primeiro discurso de Jair Bolsonaro, depois de eleito, surpreendeu todo o país e a imprensa internacional. Primeiro pelas frases feitas e depois pelos vários momentos em que seu discurso, parecia até de outra pessoa, colocando palavras outras em sua boca. Mas ao final do seu pronunciamento, tivemos uma estranha e perigosa afirmativa que deixou em alerta dezenas de líderes mundiais:
-Libertaremos o Brasil e o Itamaraty das relações internacionais com o viés ideológico a que foram submetidos nos últimos anos. O Brasil deixará de está apartado das nações mais desenvolvidas. Buscaremos relações bilaterais, com países que possam agregar valor econômico e tecnológico aos produtos brasileiros. Recuperaremos o respeito internacional para o nosso amado Brasil...(Jair Mesias Bolsonaro. Trecho final do 1° Discurso depois de eleito).
Esta foi a parte do discurso que achei mais complicada de entender. Qual é o aprisionamento ideológico internacional submetido ao Brasil e ao Itamaraty? Em que momento, os governos anteriores deixaram de se relacionar com os países desenvolvidos como a Organização Mundial do Comércio (OMC), relações bilaterais com os países do Acordo de Livre Comercio da América do Norte (Nafta), União Europeia (UE). Relações multilaterais como membro do Mercado Comum do Sul (Mercosul), Grupo dos 20 (G20) e Países do BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), etc)? Os governos brasileiros depois da redemocratização, sempre praticaram relações, tanto bilaterais, quanto multilaterais e universais, inclusive ampliando as relações comerciais e diplomáticas com países da Ex-URSS do pós Guerra Fria.
VIÉS IDEOLÓGICO E RELAÇÕES MULTI OU BILATERAIS?
Será que o novo governo pretende acabar com as relações multilaterais? Será intenção excluir o Brasil das parcerias com o Mercosul? Pelo menos são algumas declarações do Futuro Super Ministro Paulo Guedes. O atual presidente pretende tirar o Brasil do BRICS, que passaria a se chamar de RICS, afastando o país de parceiros comerciais como a Africa do Sul, Índia, China e Rússia? Que "viés ideológico" é esse? relações do Brasil com a Bolívia, Peru, Venezuela, Cuba, países africanos, Irã, Palestina, entre outros? Se ele pretende retirar o Brasil do lugar em que se encontra nas relações internacionais, onde pretende colocar o Brasil? em algum isolamento bilateral, atrelado as políticas Norte-Americanas?
Como podemos entender a frase "viés ideológico", tão recorrente em diferentes discursos de Bolsonaro? Será que o presidente entende algo sobre o método dialético? Nem quero falar em Materialismo Histórico Dialético (K. Marx). Falo da dialética pura. Dito isso em uma direta relação com o campo das ideias puras e simples, aquelas que são empregadas em uma frase, com ou sem sentido.
Poderíamos trazer a baila as preocupações de Sócrates/Platão, os primeiros a se debruçarem sobre a dialética, buscando a verdade através da razão e da lógica. Nunca apenas através da retórica e/ou da oratória fácil e que podem convencer pela emoção, dispensando a prova ou sentido lógico dos fatos. Talvez valeria pensar como Heráclito, considerando as forças opostas ou contraditórias, mas não poderíamos esquecer as mudanças em espiral, sempre com seus contra pontos ou paradoxos em que, pelo menos no campo das ideias, o filosofo Hegel, buscava uma síntese, mesmo que provisória (MACIEL, 2013).
No mínimo, um "viés ideológico", nos joga ao seu par contrário e a uma possível síntese. Se Bolsonaro optar pelo "viés ideológico" americano como modelo adequado as relações internacionais do Brasil, poderá está excluindo a China (Socialismo de Estado), maior parceiro econômico com Brasil, chegando a negociar o dobro do que os americanos conseguem? Será que a China comunista e vermelha, seja o grande perigo de viés ideológico que Bolsonaro tanto menciona em suas entrevistas?
TENSÕES NAS RELAÇÕES COM A CHINA
O jornalista Jamil Chade (31/10/2018), enviado do Jornal Estadão/UOL em Genebra, afirmou que "A China fez um duro alerta ao presidente eleito Jair Bolsonaro e apontou que, se a opção do Brasil em 2019 for por seguir a linha de Donald Trump e romper acordos com Pequim, quem sofrerá será a economia brasileira...." . O texto foi extraído do Jornal Chinês "China Daily" e o tom duro alerta que: "Ainda que Bolsonaro tenha imitado o presidente dos EUA ao ser vocal e ultrajante para captar a imaginação" (...) "pode servir para algum objetivo político específico". Mas o custo econômico pode ser duro para a economia brasileira, que acaba de sair de sua pior recessão da história..."
Se realmente vamos peitar a economia chinesa, como estão tentando os Estados Unidos, será que teremos sucesso? voltamos ao problema do viés ideológico de Bolsonaro e a dialética discutida por Heráclito, para além de Sócrates, Platão, Kant e Hegel (MACIEL, 2013). Para Heráclito, tudo está em constante mudança e as mudanças levam a crises e a sobreposição de forças antagônicas. Diante de um mundo globalizado, sendo o Brasil a maior economia da América do Sul, mas um país da periferia subdesenvolvida do Capitalismo internacional que, aparentemente se posta enquanto serviçal dos americanos, terá forças para se confrontar contra os chineses?
Ana Cristina Dib (05/11/2018), Jornalista do Comexdobrasil, alerta que os embaixadores do Brasil em Cuba, China e Israel, reagiram com preocupação após as declarações de Bolsonaro sobre diplomacia internacional. As opiniões dos embaixadores, demonstram que, o presidente eleito não entende de diplomacia internacional, pois caso mantenha seu discurso em relação mundo, o efeito cascata de suas ideias afetaria profundamente a economia brasileira, com perdas irreparáveis dentro do mercado internacional. Cristina Dib, repercutiu uma entrevista do Embaixador Sergio Amaral em Washington:
"A China tem muitos investimentos no Brasil e tornou-se o parceiro comercial mais importante. Mas a diferença na relação entre China e Brasil em comparação como a que a China tem com outros países é, que sempre que dizemos algo, ales aceitam. Isso depende de nós e nós temos de decidir que tipo de política queremos ter com a China. Não tem razão para não continuarmos mantendo isso" (Sérgio Amaral - Entrevista a Fox News 02/11/2018).
Como o governo chines é muito cauteloso, só falta o futuro presidente ter estragado as relações internacionais com a China? Vele lembrar que a China é uma República Socialista, com dois chefes políticos: Xi Jinping (Presidente - Chefe de Estado) e Li Kegiang (Primeiro-Ministro Chefe de Governo), têm sua bandeira completamente vermelha e uma economia predominantemente estatizada e extremamente agressiva no abastecimento internacional de mercadorias e inovações tecnológicas a preços baixos em todas as áreas. Ou seja, nos dias atuais, o mundo vive dos frutos do Socialismo Chinês, inclusive o mercado americano, abarrotado pelos produtos Madi in China. Em contra partida, os chineses representam o maior mercado consumidor do mundo contemporâneo, sendo o Brasil um desses parceiros, tanto na compra como na venda de mercadorias.
Vejamos o que disse Ex-Embaixador brasileiro Rubens Recupero, que foi um experiente diplomata brasileiro de carreira, de 1961 a 2004. Desde o longo período da Ditadura Militar (como gosta de defender Bolsonaro) e que continuou como Ministro de sucessivos governos e chegou também ao Senado. Recupero comentou sobre os perigos em hostilizar a China:
Não há outro mercado dessa dimensão mesmo porque, nessa área, os Estados Unidos concorrem com o Brasil, sobretudo em soja e em carnes. Então, mais uma vez, isso prejudicaria o comércio exterior. Se o novo governo seguir essa linha, em pouco tempo vamos perder boa parte dos nossos mercados, sem possibilidade de compensar com outros. Creio que isso traria um prejuízo gigantesco à economia brasileira (RECUPERO, 02/11/2018 em Entrevista Agencia Brasil de Notícias.)
De acordo com a pesquisadora da USP Burnquist (2017), escreve um importante artigo econômico em que avalia a importância da China para a economia brasileira, considerando que as relações com a China tem um peso crucial e significativo para tirar o país de sua atual crise. Ela apresenta os seguintes dados:
Principal parceiro comercial do Brasil desde 2009, quando superou os Estados Unidos, a China tem sido o maior cliente do País no exterior. Em 2016, o Brasil exportou US$35,9 bilhões para a China, sendo que 44% deste montante deve-se exclusivamente às exportações de soja, 19% à exportação de ferro e 12% à exportação de petróleo bruto. A China, por sua vez, exportou US$30 bilhões para o Brasil, sendo que a composição dessa pauta exportadora é bastante diversificada e composta quase que integralmente por produtos manufaturados. O setor que agrega o percentual mais elevado é o de telefonia, responsável por apenas 6,5% do total (BURNQUIST, 2017).
CRISE DIPLOMÁTICA COM O MUNDO ÁRABE
O que poderíamos dizer de uma relação de viés ideológico com os Judeus, em detrimento do mundo Árabe? Bolsonaro em entrevista proferida no dia 31 de outubro, sugeriu mudança da Embaixada brasileira de Telavive (Tel Aviv) para Jerusalém, seguindo o mesmo direcionamento do presidente americano Donald Trump. Bolsonaro poderia está colocando o Brasil na mira do terrorismo internacional. Ao acenar para Israel e ignorar os palestinos (muçulmanos), poderia estimular ataques terroristas contra alvos brasileiros? Basta lembrar que o Brasil, não têm 1% da segurança dos americanos.
Esses embaraços diplomáticos demonstram que o presidente não entende sobre Geopolítica? Ou estaria apenas blefando para provocar a imprensa e seus opositores? Será que vale a pena blefes com temas tão complexos e tensos? O mais interessante é que Jair Bolsonaro, diz uma coisa, faz uma declaração e logo em seguida depois de forte reação internacional e dentro do próprio país, ele desdiz e voltar atrás, desmentindo a si próprio. E olha que isso já ocorreu em sucessivos momentos, tanto durante a campanha, quanto depois de eleito.
O Jornalista Fábio Góis (05/nov/2018), demonstrou que o governo do Egito reagiu negativamente as declarações de Bolsonaro e cancelou uma importante visita do chanceler brasileiro, Aloysio Nunes aquele país, que estava marcada para o dia 07 de novembro. Isso depois que Jair Bolsonaro, havia declarado a mudança da Embaixada da Palestina para Jerusalém. Essa declaração do futuro presidente provocou reações negativas em toda a imprensa internacional, deixando inclusive, seus aliados do agronegócio e da indústria brasileira em pavorosa, pois negociam com os países do Oriente Médio, região em que o Brasil mantêm relações diplomáticas e bilaterais com de 22 países do "Mundo Árabe" (GÓIS, 2018).
Pedro Bocca (31/10/2018), direto da Revista Carta Capital Online, escreveu que "Ao se curvar a Israel, Bolsonaro escancara submissão ao EUA". O autor relembra o livro do Diplomata brasileiro Celso Amorim, que escreveu sobre as suas experiencias dentro das relações internacionais praticadas durante os governo Lula/Dilma. Em uma de suas obras "Teerã, Ramalah e Doha - Memórias das Memórias Externas Ativa e Altiva", fica claro que essa rota rendeu muito mais ao Brasil, tanto do ponto de vista político, quanto do ponto de vista econômico, do que as relações Washington e Tel-Aviv (BOCCA, 2018). O Brasil se tornou um grande exportador de agropecuária e de bens industrializados para o Oriente Médio, além de contribuir diplomaticamente para equilibrar e sugerir pacificações diante das grandes tensões vividas na região, demonstrando uma capacidade de negociação que não existia anteriormente.
Em se tratando da dialética pura, quem perdeu as aulas de história e de geografia que trataram sobre a Nova Ordem Geoeconômica internacional, poderá esta confuso e em confusão diante dos paradoxos atuais, em que, os blocos econômicos redimensionaram tudo, inclusive as bases do liberalismo econômico, das fronteiras e dos territórios nacionais, quase todos capturados pelo viés da política neoliberal que o futuro Super Ministro Paulo Guedes, tanto defende. Santos (2000) em seu livro "Por uma outra globalização", nos lembra que esse processo é perverso, desigual, combinado e globalizado, afetando a todos indistintamente.
O outro agravante é esquecer o viés das táticas terroristas e das guerras comerciais, como as atuais tensões no Oriente Médio com os grupos: Estado Islâmico (EIIS), Hamms, Al-Qaeda. E as guerras comerciais entre EUA X CHINA, NAFTA X UE, além dos bloqueios econômicos americanos contra Cuba, Venezuela, Irã, Coreia do Norte, entre outros, que podem afetar profundamente a nossa vida econômica e a paz internacional. Vale lembrar o "melô do marinheiro", gravada em 1986 pelo grupo de Rock Paralamas do Sucesso: "entrei de gaiato no navio, entrei, entrei pelo cano" (Paralamas,1986). E olha que os caras entraram pelo cano ao fim da famigerada Ditadura Militar. Para os desavisados, como diz Guimarães (2018), "Tem grande diferença entre sentido e significado das palavras. Também existem diferença entre compreender e interpretar os textos e discursos", então vamos estudar um pouco mais, antes de sairmos falando asneiras por aí.
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* Prof. Dr. Belarmino Mariano Neto é professor de Geografia Política
e Geopolítica; Teoria da Geografia e Biogeografia pela UEPB/CH/DG.
Líder do Grupo "Olhares Geográficos: Grupo de Pesquisa em
Geografia Cultural e da Percepção" - CNpq/PRPGP/UEPB.
Fontes de Pesquisa:
BOCCA, Pedro Pereira. Ao se curvar a Israel, Bolsonaro escancara a submissão aos EUA. São PauloÇ Carta Capital/Blog do GR-RI. Internacional/Política Externa. 03/11/2018. acesso <https://www.cartacapital.com.br/blogs/blog-do-grri/ao-se-curvar-a-israel-bolsonaro-escancara-alinhamento-automatico-aos-eua?fbclid=IwAR1ZBciM9NXdKOjvVcEh0Gw2-AaRS2gbTfpFwQt8JfqkYJJ3zjAEBlSav_s> em 10/11/2018.
BURNQUIST, Heloisa Lee. China e Brasil, Parceiros até quando? São Paul: USP/Esalq/Cepea, 03/02/2017. Acesso em: <https://www.cepea.esalq.usp.br/br/opiniao-cepea/china-e-brasil-parceiros-ate-quando.aspx> 09/11/2018.
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