"Como trabalho no SUS, já atendi de tudo: policiais - milicianos ou não - e traficantes do varejo. A maioria vive dentro de um mundo próprio moralista, onde a vingança é a única forma de justiça possível. E sofrem por isso. Alguns poucos, raros, conseguiam problematizar o que faziam e ou perceber visceralmente a falência moral e institucional do Estado que nos devia proteger
.
Um deles, policial, certa vez, me disse com voz cansada:
- Polícia no Rio, doutor, existe pra matar e morrer.
O governador exige isso do secretário, o secretário ordena ao coronel, o coronel manda a gente voltar com pelo menos um cadáver - ou não voltar.
Perguntei se ele achava isso certo. Ele titubeou. Repetiu o jargão: “eles são bandidos”. E, de repente, chorou. Disse, num sussurro:
- Eu não sei se Deus vai me perdoar.
Noutra ocasião, estava eu no consultório. Entra uma senhora, ansiosa, mãos trêmulas. Senta à minha frente, pega o celular. Ia me mostrar algo, mas antes de conseguir, cai como um saco de areia no chão. Chamo a enfermagem, me debruço sobre o corpo. Ela tinha batido a cabeça. Atendemos, cuidamos, estabilizamos.
Só então ela mostra o que queria mostrar: no celular, a cena de dois rapazes - quase meninos - sendo torturados por homens vestidos de preto. Milicianos.
Ela implora ajuda. Diz que não pode sair da comunidade, que não tem outro lugar, que precisa proteger os filhos. Os milicianos a ameaçaram:
- Se for reclamar no batalhão, a gente vai saber.
Esse é o retrato nu e cru do colapso ético que estrutura a “segurança pública” no Rio do governador Cláudio Castro - e, sejamos honestos, de todos os governadores anteriores, com exceção de Brizola e Benedita. Uma política construída sobre cadáveres, sobre o medo e sobre o silêncio.
No Rio, o Estado não protege: ele aterroriza. E o terror é a sua forma de governo.
Saldo de ontem contabiliza mais de uma centena mortos. Uma centena de mães em luto como aquela que atendi. Quatro policiais como aquele que, diante de mim, chorou… assassinados pela volúpia mórbida do governador.
PS.: Deveria ser óbvio: ao votar em um governador, o carioca e o fluminense não escolhem apenas um gestor - escolhem quem decidirá quem vive, quem morre e quem sobrevive nas ruas.
Se você votou nesse pústula e ainda se sente seguro, parabéns: você está completamente desconectado da realidade."
*Por Sergio Alarcon, via João Lopes e Blaut Ulian Junior. Imagem dascredes sociais.