quarta-feira, 8 de agosto de 2018

Coluna da Magnolia: Galeria Alaska: Pedaço Proibido do Paraíso



Imagine você sendo uma criança, dando seus primeiros passos na vida, quando seu jeito de falar , andar de se vestir, a menino que você sonha em se casar um dia na escola...Tudo passa a ser motivo de discussão, crítica, agressão, deboche. Esse pesadelo está sendo vivido agora, por vítimas da homofobia e da transfobia, muitas vezes mortas ou por assassinato, ou por suicídio.
Para tamanha injustiça, há resistência: grupos de apoio, as paradas LGBT, os direitos adquiridos e tantos outros que ainda precisam ser conquistados. Hoje, porém falaremos de uma peculiar forma de resistência, em um tempo em que se um policial encontrasse um gay esse gay era preso. 1989. A Galeria Alaska.
A Galeria Alaska, situada no Rio de Janeiro, em Copacabana, funcionava a noite, longe dos olhares indiscretos da sociedade. Onde escuro escondia nada mais do que arte, brilho e felicidade. Um lugar diferente, à parte do senso de moralidade da sociedade. Escondida em um teatro-sótão. Em que as luzes coloridas iluminavam o escuro.
Esse escuro libertava as almas aprisionadas durante o dia. Na Alaska, tais almas voavam livres e libertas em um paraíso que existia, mas que ninguém queria aceitar que existia. Homossexuais, lésbicas, bissexuais, travestis e as primeiras drag queens do Brasil. Shows performáticos. Os primeiros stripers masculinos. O público gay e a arte gay viveu e se desenvolveu no Brasil na galeria Alaska. Ironicamente conhecida como “inferninho”.
Não, senhores. O termo “inferninho” não faz jus à galeria Alaska, pois relaciona a homossexualidade a algo pejorativo: “inferninho”. A galeria Alaska era o pedaço do paraíso que a sociedade teimava em não ver.
Em um país historicamente influenciado pelo Catolicismo e com o Protestantismo crescendo em enorme proporção, temos como resultado uma moralidade pautada nos valores cristãos. Tão grande essa influência nos valores da comunidade, que no preâmbulo de nossa Constituição Federal, a mesma que insiste que o Estado é laico temos que: “Nós, representantes do povo brasileiro (...) promulgamos, sob a proteção de Deus a seguinte Constituição (...)”. Tais heranças baseadas principalmente no Cristianismo faz com que a sociedade, através de sua régua moral, exclua certos grupos sociais, o que fere princípios como igualdade, liberdade, e a própria noção de democracia, em um Estado que deveria ser laico.
Por muito tempo, mulheres eram fadadas a relações abusivas, a casamentos infelizes por anos a fio, pois desquitadas seriam mal vistas pela sociedade e seus parâmetros morais. Tiveram menos direitos em um país que deveria prover a igualdade, liberdade, dignidade e democracia.
O que temos dia após dia é uma “luta constitucional”, ou seja, lutar para que nossa Constituição cidadã, perfeitamente redigida e completa em sentido de direitos, vigore de fato na sociedade. E ainda estamos muito longe. Pessoas matando outra por heranças religiosas é barbárie. É bem nesse estágio que ainda estamos.
Vale salientar que orientação sexual não é escolha do indivíduo. Existem estudos científicos que provam isso. Deixei um link de um vídeo no final do texto que detalha bastante essas questões de cunho científico. Mas para citar alguns pontos, houveram estudos com irmãos gêmeos univitelinos que mostraram que a homossexualidade tem a ver com o par, sendo muito mais predominante do que no resto da população. Ademais, há concentração de homossexuais em determinadas famílias, denotando a questão genética. E a homossexualidade existe em todas as sociedades que foram estudadas até hoje; desde as sociedades de caça e coleta até as sociedades mais desenvolvidas.
Importante esclarecermos alguns termos. Nos anos 90, a homossexualidade saiu da lista de distúrbios mentais, o que fez com que 17 de maio fosse o dia mundial da luta contra a homofobia. Ademais, o último Manual Diagnóstico de Transtornos Mentais, o DSM-V, popularmente conhecido como a Bíblia da Psiquiatria, não traz mais a Transexualidade no seu rol de transtornos.
Importante esclarecer que identidade de gênero é uma percepção intima que o indivíduo tem de si; como sendo mulher, homem ou uma concentração dos dois. Logo, identidade de gênero nada tem a ver com a genitália que o indivíduo possui; a genitália do indivíduo tem a ver com seusexo biológico.
Também é importante esclarecer a diferença entre A Homofobia e a Transfobia. Homofobia é o preconceito contra pessoas que sentem atração pelo mesmo sexo, inclui-se nesse grupo gays, lésbicas e bissexuais. Transfobia é o preconceito em razão da identidade de gênero, ou seja, o preconceito contra travestis e transexuais.
Me parece confuso: critica-se tanto o radicalismo religioso, enchendo as redes sociais de bandeirinhas por conta dos ataques terroristas na Europa e nos E.U.A. (como se o resto do mundo não tivesse problemas similares). Mas logo em um lugar em que mais mata transexuais no mundo por conta de argumentos religiosos rasos do tipo “Deus fez o homem para a mulher”, como diz nosso livro Sagrado, encharcado de sangue de civis inocentes, tão quanto qualquer outro, como o Alcorão.
Nosso Congresso é uma piada pronta: uma enorme bancada religiosa, interferindo no destino da população, ao mesmo tempo que temos o art. 5º, inc. VI da CF, e o art. 19, inc. I, que institui o Brasil como um Estado laico. Aliás, nem adentremos em discussões a respeito de nosso Congresso e nossas leis. Eu me sinto uma idiota falando dessas instituições falidas, principalmente nos tempos atuais.
Ainda não tenho filhos, mas terei. E confesso ter pavor do que possa acontecer com ele caso seja homossexual ou transexual. Certamente não iria cria-lo nesse campo de guerra. E não exagero nem um pouco quando digo isso. Não se trata apenas de risos, deboches e preconceitos diários por parte de filhos criados por pais que teimam em não lhes ensinar a lidar com a diferença. Meu medo é concreto, estatístico e probatório.
No Brasil, a união estável entre casais do mesmo sexo foi legalizada em 2011. O casamento em 2013. A adoção também é um direito dos LGBT´s. Mas o que me parece é que tais conquistas fomentam ainda mais o ódio dos cidadãos conservadores. Nunca se matou tanto por homofobia como hoje no Brasil.
Vale salientar ainda que a Homofobia e a Transfobia são problemas graves e crescentes de saúde pública. Segundo dados da ONG Grupo Gay da Bahia (GGB) em 2017 houve recorde de morte de LGBT´s no Brasil. Até o dia 20 de setembro de 2017, 277 homicídios foram registrados, o que equivale a um assassinato por dia. Ou seja, mais do que em 1969.
Em 1969, através do Decreto-Lei nº 1001/69, durante o regime de 64, foi inventado o crime de pederastia, que punia atos sexuais dentro das Forças Armadas, sendo estes homossexuais ou não. Acontece que as Forças Armadas em 1969 era composta basicamente por homens. Mulheres são isentas de serviço militar obrigatório, apenas se desejarem entrar por concurso.
Igrejas começaram a surgir na Alaska. Uma, depois duas ... Começaram fervorosos discursos de ódio contra os LGBT´s que lá vivam. Aos poucos, o paraíso foi sendo invadido pelo o que a sociedade tem de pior: ódio, preconceito e fanatismo.
Com um bom investimento, as luzes coloridas na escuridão foram se apagando e a galeria Alaska, que chamou a atenção de nada menoss do que Mick Jagger e Freddy Mercury, por conta de sua ousadia e diversidade, coisa que já acontecia muito na Europa, mas era raríssimo em terras patriarcais que até hoje fedem a provincianismo e preconceito. As luzes foram pouco a pouca se apagando, e o brilho se dissipando. Deus sabe lá o porque. Mas os fiéis das igrejas que dominaram a galeria Alaska sabem. E como sabem.
Foi-se o brilho, a luz, o som, deixando ecoar na memória a felicidade que ali frequentou. E que foi vencida pela luz cínica do sol, que não nasce/nascia para todos. Muitas das drags queens continuaram seu trabalho, como a Rogéria, nacionalmente conhecida. Enfim, muitos dos que frequentaram a Alaska não se deixaram abater, sobrevivendo no pedaço de terra que mais mata LGBT´s no mundo.
Muitos ainda enfrentam a luz do sol, a escuridão da noite, sem saber se na próxima hora estarão machucados, presos, mortos ou estuprados. Enfrentam a dor da rejeição familiar e social, pelo simples direito de amarem e serem amados. E irão se fortalecer cada dia mais, não importa se o obstáculo dobra, triplica, quadruplica de tamanho. O show deve continuar.

VÍDEO REFERENTE A EXPLICAÇÃO CIENTÍFICA SOBRE HOMOSSEXUALIDADE E TRANSEXUALIDADE:

REFERÊNCIAS:
MADEIRO, Carlos. ONG Aponta Recorde de LGBT´S Mortos no Brasil em 2017. In: Uol Notícias; Cotidiano. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2017/09/25/brasil-tem-recorde-de-lgbts-mortos-em-2017-ainda-doi-diz-parente.htm . Acesso: 25/02/2018.

BARCELLOS, Aline; NASCIMENTO, Jaline; HENNING, Herbert. Galerias e Suas Tribos: Caminhos da Reportagem. Exibido em: 11/08/2011 na TV Brasil. In: You Tube. Disponível em:https://www.youtube.com/watch?v=YExbxfXEMKA. Acesso: 26/02/2018.
REGIS. Breve História da Boate Sótão. In: Grisalhos. Disponível em:https://grisalhos.wordpress.com. Acesso: 25/02/2018.

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