quinta-feira, 26 de janeiro de 2023

*Como Bolsonaro planejou extinguir a reserva Yanomami*

Por: Lira Neto (24/01/2023)*

O plano teve início há cerca de 30 anos. Em 19 de outubro de 1993, uma terça-feira, em Brasília, o deputado Jair Bolsonaro, do Partido Progressista Reformador (PPR), legenda então liderada nacionalmente por Paulo Maluf, apresentou, na Câmara Federal, um projeto de decreto legislativo.

Protocolado sob o número 365, a proposição buscava tornar sem efeito um decreto presidencial, homologado no ano anterior por Fernando Collor de Mello sob recomendação da Funai, criando a reserva Yanomami. O projeto de Bolsonaro, que à época exercia o primeiro mandato de deputado federal, tinha apenas dois curtos artigos.

“Torna sem efeito o Decreto de 25 de maio de 1992, que homologa a demarcação administrativa da terra indígena Yanomami”, dizia o primeiro deles. “Este Decreto Legislativo entra em vigor na data de sua publicação, revogando as disposições em contrário”, sentenciava o segundo.

Nos meses anteriores à apresentação do projeto, o deputado novato estivera em destaque nos jornais, por ter sugerido, em visita ao município gaúcho de Santa Maria, o fechamento do Congresso Nacional e a implantação de uma ditadura no país, nos moldes da instituída no Peru por Alberto Fujimori, segundo noticiou o jornal Zero Hora.

“Sou a favor, sim, de uma ditadura, de um regime de exceção”, confirmou, em plenário, quando confrontado pelos colegas na volta à capital federal. De acordo com o que ficou registrado nos Anais da Câmara, choveram protestos, apartes, indignações. Foi um escarcéu. “Corremos o risco de promover o deputado Jair Bolsonaro se começarmos a falar demais sobre ele”, observou no calor da contenda, profético, um parlamentar.

Ameaçado de cassação por falta de decoro, a figura caricaturesca de Bolsonaro foi motivo de reportagens, assunto para inúmeras notinhas em colunas políticas, convites para entrevistas em programas de tevê. A exposição gratuita alimentou novas bravatas. “Para acabar a crise brasileira, basta três batalhões de infantaria”, argumentou ele à época, segundo o Jornal do Brasil, atraindo ainda mais atenções públicas para si.

Publicado na edição do Diário do Congresso Nacional de 10 de novembro de 1993, o projeto de Bolsonaro para a extinção da reserva Yanomami dormitou nas comissões internas da Câmara e, aparentemente natimorto, foi arquivado ao final da legislatura, conforme previsto no artigo 105 do regimento da casa. Em 1995, reeleito como o terceiro deputado federal mais votado no Rio de Janeiro, Bolsonaro solicitou o desarquivamento da proposição. E conseguiu.

Encarregado de reanalisar o texto na Comissão de Defesa Nacional, o deputado Elton Rohnelt, do Partido Social Cristão (PSC) de Roraima, ex-diretor de uma madeireira e dono de uma empresa de mineração, deu parecer positivo.

No currículo extraparlamentar de Rohnelt constava a invasão, na década de 1980, sob sua assumida liderança, por parte de 40 mil garimpeiros às terras dos Yanomamis. De acordo com o relatório da Comissão da Verdade, houve centenas de mortos em decorrência do ataque.

Bolsonaro tinha pressa. Com apoio de 257 colegas deputados, o que lhe garantia o número regimental necessário, solicitou urgência para a votação do projeto em plenário. Em 30 de agosto de 1995, o presidente da Câmara, Luis Eduardo Magalhães, do Partido da Frente Liberal (PFL), acatou a solicitação, sob protestos da bancada oposicionista.

Fernando Gabeira, deputado pelo Partido Verde (PV), ponderou: tema tão sensível não poderia ser analisado de afogadilho. “A demarcação das terras indígenas é tão delicada quanto a promoção da paz entre os palestinos e israelenses”, comparou, de acordo com o registro dos anais parlamentares.

“Há vidas humanas extremamente vitimadas por uma política de genocídio em nosso país”, advertiu a deputada Socorro Gomes, do Partido Comunista do Brasil, eleita pelo Pará. O também paraense Gerson Peres, correligionário de Bolsonaro do PPR e votando pela liderança, divergiu da conterrânea: “Não temos mais nada a discutir, isso é o que queremos. Acompanhamos o nosso companheiro deputado Jair Bolsonaro. O PPR, portanto, encaminha o voto ‘sim’”.

Após intensa discussão, o regime de urgência foi rejeitado: 290 deputados votaram contra; 125, a favor. Houve 10 abstenções. Depois de regressar às comissões internas, recebendo pareceres negativos dos deputados Fernando Gabeira e Almino Afonso (PSB), o projeto foi mais uma vez arquivado. Nem assim Bolsonaro desistiu do objetivo.

“A Cavalaria brasileira foi muito incompetente”, ele esbravejou, na sessão da Câmara de 16 de abril de 1998, então filiado ao Partido Progressista Brasileiro (PPB). “Competente, sim, foi a Cavalaria norte-americana, que dizimou seus índios no passado e hoje em dia não tem esse problema no país”.

Eleito pelo PPB para um terceiro mandato no final daquele mesmo ano, Bolsonaro repetiu a manobra e pediu um segundo desarquivamento do projeto. De novo, a proposta estacionou nas instâncias internas, sendo arquivada pela terceira vez ao final daquela legislatura. No início de 2003, decorridos dez anos da proposição inicial, já no quarto mandato e filiado ao Progressistas — fusão do PPR com o Partido Progressista (PP) —, o deputado continuava com a mesma ideia fixa.

Solicitou mais um desarquivamento, mas o projeto de extinção da reserva Yanomami não avançou na Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania. Foi de novo posto de molho, para ser arquivado, em definitivo, no final de 2007, após 14 anos de idas e vindas.

Passaram-se outros dez anos. Em 2017, candidato à presidência da República pelo Partido Social Liberal (PSL), Bolsonaro deixou claro o propósito de dar combate aos povos originários: “Não vai ter um centímetro demarcado para reserva indígena”, anunciou.

No cargo de presidente, em 2020, propôs o Projeto de Lei 191 — o “Projeto de Lei do Genocídio”, como batizado pelos adversários —, também assinado pelos ministros das Minas e Energia, almirante Bento Albuquerque, e da Justiça, Sergio Moro, autorizando o garimpo e o agronegócio em áreas indígenas.

Pressões da sociedade civil e das comunidades indígenas mantiveram o texto na gaveta. Enquanto isso, conforme revelou o site The Intercept Brasil, 21 ofícios com pedidos de ajuda dos yanomamis foram ignorados.

Em 2021, 28 anos depois de ter dado entrada na Câmara do projeto para a extinção da reserva Yanomami, Bolsonaro esteve pessoalmente em uma área de garimpo ilegal, instalada dentro da terra indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima. Bem ali ao lado, os Yanomamis definhavam. Na ocasião, o ex-presidente pagou as contas da viagem e da confraternização com os garimpeiros — 163 mil reais — com o cartão corporativo.

O resultado é o que estamos vendo todos nós, estarrecidos. De extinção da reserva, o plano passara a ser, tudo indica, o de extermínio total dos Yanomamis.

*Lira Neto é escritor e jornalista, mestre em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

segunda-feira, 9 de janeiro de 2023

Assistindo a invasão Terrorista à Brasília

Por Mauriene Freitas*
Eu tô assistindo a invasão Terrorista à Brasília ( esse é o nome correto pra esse pessoal) e algumas perguntas me perturbam, por isso eu gostaria de compartilhar com vocês pra vê se juntos conseguimos entender. 

1- *cegueira da mobilização*:
como as autoridade do DF não acompanharam ou “não viram” uma quantidade dessa de gente, seguindo de forma ordenada, entrando numa cidade que tem a recorrência de receber protestos das mais variadas naturezas. Ninguém monitorou os ônibus na cidade? Faço melhor, volto mais atrás… e a PRF tão acostumada a barrar os ônibus de sem-terra, professor, povos originários que seguem pra Brasília, não perceberam a movimentação nas estradas, no seu “ chão de trabalho”? Ou só se especializaram em barrar eleitor em dia de eleição no nordeste ? 

2- *o rastro do dinheiro*:
há tempos que se fala em financiadores dos então atos golpistas ( agora se chamam atos terroristas) mas até agora a gente nunca soube quem era. O que está sendo feito a esse respeito ? Já identificaram? Se sim, já os imobilizaram? Congelaram suas contas? Fizeram buscas em seus domicílios em busca de provas que comprovam as denúncias? 
Aliás, há denúncias formais? Ainda sobre a invasão Terrorista em Brasília, serão apreendidos todos os ônibus utilizados no local? Onde esse pessoal estava hospedado? Onde comiam ? E a derradeira… quem assinava o cheque/fazia o pix ? 

3- *qual a pauta/reivindicação dos terroristas* ? 
Até o presente momento, ainda não foi divulgado um manifesto, não foi identificada uma finalidade(para além da simples depredação patrimonial dos símbolos do Estado), por um grupo que pregava abertamente um golpe. Vocês não acham que tá faltando alguma coisa? O ato de hoje é uma simples reprodução da invasão do Capitólio dos EUA? Qual era a finalidade da invasão do Capitólio? Acho que podemos aprender com aquele episódio e o mais importante, usar o exemplo para punir os terroristas brasileiros. Mas ainda insisto… Em teoria, o exército não endossou o golpe que eles exigiam, daí eles foram lá e fizeram uma invasão mas sem perspectiva real de golpe. É isso mesmo? Uma invasão sem possibilidade de intervenção real ? De um pessoal que em regra, tem porte e arma registrada? Percebam que ainda não ouvimos uma notícia sobre um tiro disparado pelos terroristas. O que é isso ? 

5- *não tenho nada a ver com isso*: 
A invasão terrorista de hoje foi gestada ainda em 2020, com o discurso contrário as urnas eletrônicas e tentava de emplacar o voto impresso. Ganharam força nos “ 7 de setembro” e todos aqueles que foram às ruas usando verde e amarelo empunhando cartazes contra o STF, apoiando ditadura e golpe. Todos aqueles que endossaram esse discurso, seja civil ou militar, eleitor, gestor ou legislador, tem responsabilidade. E se tem responsabilidade, é preciso responder por ela. Há de se reconhecer que após o resultado das eleições, mesmo com os acampamentos na frente dos quartéis, a maioria das autoridades desse país fingiram ou terceirizam as responsabilidades para resolver essa questão. A cegueira foi uma decisão política. Os Terroristas cresceram e se encorajaram amparados pela omissão dos agentes públicos. Todos precisam arcar com as consequências. Todos. 

6- *A epifania*: 
Finalmente a população brasileira se estarrece coletivamente com os terroristas. Mas precisamos lembrar que eles estavam aí há tempos… Seus discursos incentivaram agressões verbais, agressões Morais, constragimentos, violências físicas  contra eleitores adversários que resultou em mortes: quem não lembra do assassinato do companheiro em
Sua festa de aniversário com tema do PT? Faço melhor, nas eleições de 2018, quem lembra do assassinato de Mestre Moa, morto por um eleitor bolsonarista, filhote desses terroristas de Brasília ? Eles sempre estiveram aí e nós nunca conseguimos dar uma resposta forte e coletiva sobre isso… Sabe o sapo na fervura ? A temperatura aumenta e o sapo vai se adequando ao calor até morrer fervido na panela? Pensei que fôssemos o sapo. Mas parece que não… Ainda bem que conseguimos nos indignar com vidros, mobílias, obras de arte quebrados em prédios institucionais. As vidas perdidas, desde o surgimento do bolsonarismo, não nos comoveu, mas a destruição das coisas nos une e comove. 
Felizmente, algo ainda nos toca. Pena que seja a destruicao das coisas em detrimentos da destruição dos corpos, das identidades, das vidas. 
Para chegar hoje foi uma sucessão de erros e omissões dos mais diversos agentes públicos, civis e militares. Erramos como nação, erramos como gente. 
De fato, estamos no início do processo de reconstrução, mas me parece que ela deve ser mais profunda e complexa do que pensávamos. 
Mas acho que numa coisa temos acordo: SEM ANISTIA !

*Mauriene Freitas, inquieta por natureza.